CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Sermão sobre a Ressurreição do Senhor", de Santo Antônio de Pádua

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA SOBRE A RESSURREIÇÃO DO SENHOR

SANTO ANTÔNIO DE ROÇA GRANDE,
uma das faces do santo homem de Pádua, grande intelectual da Idade Média de cultura literária singular, é o patrono da Academia de Ciências e Letras de Sabará.


“A amendoeira florescerá, o gafanhoto engordará, o tempero perderá seu sabor” (Ecl 12,5). Exórdio: Na Ressurreição, a humanidade de Cristo floresceu como a vara de Aarão.

Nós lemos no Livro dos Números que a “vara de Aarão germinou, floresceu, ficou cheia de brotos e produziu amêndoas” (Nm 17,23). Aarão, sumo pontífice, é figura de Cristo, o qual “entrou no santuário não com sangue de bodes ou bezerros, mas com o próprio sangue” (Hb 9,12). Ele é o pontífice que “fez de si uma ponte” para que, através dele, pudéssemos passar da margem da mortalidade à margem da imortalidade: hoje floresceu a sua vara! A vara é sua humanidade sobre a qual se diz: “A vara do teu poder estende o Senhor desde Sião” (Sal 109,2). Com efeito, a humanidade de Cristo, por meio da qual a divindade exercia o seu poder, teve origem em Sião, isto é, o povo judeu, “porque, como é dito no Evangelho, a Salvação, isto é, o Salvador, vem dos Judeus” (Jo 4,22). Esta vara permaneceu quase seca no sepulcro por três dias e três noites, mas depois floresceu e produziu fruto, porque ressuscitou e nos trouxe o fruto da imortalidade.

“Florescerá a amendoeira.” Diz Gregório que a amendoeira é a primeira entre todas as plantas a dar flores; e diz o Apóstolo que “Cristo é o primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos” (cfCol 1,18), porque ele ressuscitou por primeiro. Observe-se que a pena dada ao homem era dupla: a morte da alma e a morte do corpo. “No dia em que comeres — disse o Senhor — morrerás “de morte” ( Gn 2,17), da morte da alma, e não poderás subtrair-te à lei da morte. Com efeito, uma outra tradução diz, com maior precisão: “tornar-te-ás mortal”. Veio o nosso samaritano, Jesus Cristo, e sobre estas duas feridas derramou vinho e óleo, porque com o derramamento de seu sangue destruiu a morte da nossa alma. Diz muito bem Oséias: “Eu os livrarei da mão da morte, eu os resgatarei da morte. Ó morte, eu serei a tua morte! Eu serei a tua mordaça, ó inferno!” (13,14). Do inferno ele pegou uma parte, e outra parte ele deixou à maneira daquele que morde, e com a sua ressurreição aboliu a lei da morte, porque deu esperança de ressurgir: “E não haverá mais a morte” (Ap 21,4). A ressurreição de Cristo é indicada pelo óleo que fica acima dos líquidos. A alegria provada pelos apóstolos na ressurreição de Cristo superou qualquer outra alegria por eles experimentada, quando Jesus ainda estava com eles em seu corpo mortal. Também a glorificação dos corpos superará qualquer outra alegria: “Os discípulos se alegraram ao verem o Senhor” (Jo 20,20).

“E o gafanhoto engordará.” Aqui é representada a Igreja primitiva que, com a flor da ressurreição do Senhor, tornou-se grande e encheu-se de maravilhosa alegria. Escreve Lucas: “Pois que pela grande alegria ainda não acreditavam e ficavam emocionados, Jesus lhes disse: 'Tendes aqui algo para comer?' Ofereceram-lhe então uma porção de peixe frito e um favo de mel” (24,41-42). Peixe frito é figura do nosso Mediador que sofreu a paixão, preso com o laço da morte nas águas do gênero humano, “frito”, por assim dizer, no tempo da paixão; ele é para nós também o favo de mel, por causa de sua ressurreição que hoje celebramos. O favo apresenta o mel na cera, e isso representa a divindade revestida pela humanidade. É nesta mistura de cera e mel que se indica que Cristo acolhe no eterno repouso, no seu corpo, aqueles que, quando sofrem tribulações por causa de Deus, não desistem do amor para com a eterna doçura. Os que, aqui na Terra, são, por assim dizer, “fritos” pela tribulação serão saciados no céu com a verdadeira doçura. Observe-se que hoje o Senhor apareceu cinco vezes: primeiro a Maria Madalena; depois novamente a ela junto com outros, quando saiu correndo a dar o anúncio aos discípulos; depois a Pedro; depois a Cléofas e seu companheiro; e finalmente aos discípulos, a portas fechadas, após o retorno dos dois discípulos de Emaús. Eis, portanto, em que sentido o gafanhoto engordou com a flor da amendoeira, quer dizer, em que sentido a Igreja primitiva se alegrou pela ressurreição do Senhor. O gafanhoto, quando o sol queima, salta e voa. Assim a Igreja primitiva — quando, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo a inflamou — saltou e voou pelo mundo inteiro através da pregação. “Por toda a Terra ecoou o som de sua voz” (Sal 18,5).

Assim engrandecida a Igreja, dissipou-se o tempero, que é uma plantinha que se gruda na pedra e representa a Sinagoga a quem foi dada lei escrita sobre a pedra para mostrar sua dureza, à qual permaneceu sempre apegada. “Este é um povo de cabeça dura” (Ez 34,9). Quanto mais a Igreja crescia, tanto mais a Sinagoga se dispersava, isto é, perdia o eu sabor. Está de acordo com tudo isso o que se lê no Livro dos Reis: “Houve uma longa luta entre a casa de Saul e a casa de Davi. A casa de Davi crescia e tornava-se cada vez mais forte, enquanto a casa de Saul enfraquecia dia a dia.” (2R 3,1). A casa de Davi é a Igreja. A casa de Saul — que quer dizer “aquele que abusa” — representa a Sinagoga que, abusando dos dons especiais de Deus, recebeu o libelo do repúdio e abandonou o tálamo do esposo legítimo. Quão longa tenha sido a luta entre a Igreja e a Sinagoga, mostram-no os Atos dos Apóstolos. A Igreja crescia porque “a cada dia o Senhor acrescentava a ela aqueles que eram salvos” (2,47). Ao invés, a Sinagoga, a cada dia diminuía. “Chama o seu nome de ‘Não meu povo’ porque vós não sois o meu povo e eu não serei o vosso Deus”. E ainda: “Eu me esquecerei totalmente deles. Ao contrário, terei misericórdia da casa de Judá” (Os 1,9), isto é, da Igreja. A Jesus Cristo, honra e glória por todos os séculos do séculos! Amém.


Santo Antônio de Roça Grande (Santo Antônio de Pádua),
Patrono da Academia de Ciências e Letras de Sabará.


Fonte:
Sermões Dominicais e Festivos, 1979 Ed. Messaggero, Padova, Volume III, pp.179-182.
Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv.
   

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