CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "O mistério do nicho da Igreja do Rosário", crônica de Isabella Carvalho de Menezes
O MISTÉRIO DO NICHO DA IGREJA DO ROSÁRIO
Durante muito tempo, lá ficou a imagem, até que o devoto morreu, assim, de repente. A viúva logo mandou buscar a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, para colocar no velório, como era de praxe na época. Na hora de devolver a santa é que a confusão começou, pois, por engano, a imagem foi parar na Igreja de Santa Rita. Quase meio século depois, quando o caso já parecia esquecido, um padre da Igreja do Rosário, revendo a história do nicho, resolveu pedir à Igreja de Santa Rita que devolvesse a santa. Ocorre, porém, que os fiéis da outra igreja já haviam se afeiçoado demais à imagem e não aceitavam devolvê-la.
Crônica radiofônica originalmente
publicada em Vez e Voz para as histórias de Sabará/Lindanir Helena Tomelin e Marília Crispi de Moraes (orgs.).
Blumenau: Nova Letra, 2013.
ISABELLA CARVALHO DE MENEZES
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 1. Patrono: Aníbal Machado
Em Sabará, a Igreja Nossa Senhora
do Rosário chama a atenção de todos, sejam visitantes ou moradores da cidade. O
templo é inacabado, com amplos paredões de pedras. A parte onde fica o altar
foi concluída, mas o prolongamento da nave se dá na forma de uma capela,
inserida numa estrutura maior de pedras, sem telhado, com vãos de portas e
janelas.
A igreja sempre suscitou as mais
diversas histórias, pois as pessoas ficam imaginando como se deu aquela obra.
Na frente da igreja, há duas escadas laterais e um nicho na parede central.
Esse buraco vazio possui uma porta feita de grades. Muito se especula sobre o
nicho. Os mais criativos tratam logo de esclarecer que ali se aprisionavam os
negros escravizados, acorrentados, amontoados, que recebiam punições de seus
senhores. Ao saber dessas conjecturas, os olhos tornam-se piedosos, lamentando
a triste sina dos cativos. Qualquer fenômeno do além que venha a ocorrer é logo
atribuído às almas dos escravizados que ali ainda podem estar aprisionadas.
Entretanto, documentos da
Irmandade do Rosário trazem outra versão. No início do século XIX, um devoto
mandou esculpir a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte e a doou para a Igreja do
Rosário. Antes, impôs a condição de que um local especial fosse reservado à
imagem. O pedido foi atendido e a santa foi colocada no nicho especialmente feito
para ela.
Durante muito tempo, lá ficou a imagem, até que o devoto morreu, assim, de repente. A viúva logo mandou buscar a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, para colocar no velório, como era de praxe na época. Na hora de devolver a santa é que a confusão começou, pois, por engano, a imagem foi parar na Igreja de Santa Rita. Quase meio século depois, quando o caso já parecia esquecido, um padre da Igreja do Rosário, revendo a história do nicho, resolveu pedir à Igreja de Santa Rita que devolvesse a santa. Ocorre, porém, que os fiéis da outra igreja já haviam se afeiçoado demais à imagem e não aceitavam devolvê-la.
— A imagem fica! — diziam os representantes
da Igreja de Santa Rita.
— A santa vem! — retrucava a Irmandade
do Rosário.
Na cidade, todos, em cada
esquina, tinham opinião formada sobre a pendenga. Um dos argumentos dos
defensores de Santa Rita era que a Igreja do Rosário estava inacabada e não
tinha um cômodo apropriado para colocar a Nossa Senhora da Boa Morte. Seria
injusto deixá-la naquele nicho, do lado de fora do adro. O pessoal do Rosário
alegava que o altar-mor estava terminado e lá a santa ficaria. O nicho seria
até tapado com pedras.
No fim das contas, a imagem
voltou à Igreja do Rosário, em procissão solene, com foguetes, sinos repicando,
banda de música e, sobretudo, com muita polícia, porque o caso já havia chegado
à delegacia. Tudo ficou resolvido. Aliás, nem tudo. A
promessa de fechar o buraco não foi cumprida. E o nicho continua ali, atiçando
a imaginação das pessoas.
Nossa, na minha infância, criei tantas fantasias acerca deste nicho... Parabéns, vc brilhou! Excelente!
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ResponderExcluirTexto muitíssimo bem escrito, e de tal forma que cativa ainda mais o interesse... Lemos juntos minha mãe Marlene e eu, e ficamos muito surpresos e encantados com a história... Como costumo dizer, a história sabarense é riquíssima em diversos aspectos. É uma pena que tenhamos tão poucos historiadores, escritores e pessoas interessadas... Sei que sou exceção, pois amo esta nossa cidade e sua centenária história!
ResponderExcluirParabéns, Izabella Carvalho de Menezes! Tanto pela pesquisa quanto pela arte da bela escrita!
Ah... Essa Izabella sabe cada história ... Peçam pra ela contar sobre as simpatias recomendáveis a Santo Antônio para se obter casamento... Vocês não vão acreditar... Eu já conhecia esta história de ouvi-la contar, mas lendo o texto a emoção foi idêntica. Você é ótima. Parabéns! Silas
ResponderExcluirQue bom saber dessa historia, assim contada desse jeito tão peculiar, tão seu. Quando menina, tinha medo do nicho hehe, parabéns, Bella! Selma
ResponderExcluirParabéns pelo texto, excelente! Foi possível imaginar cada detalhe!
ResponderExcluirParabéns! Sempre tive sentimentos de curiosidades e imaginações diversas sobre o nicho.. porta para túneis interligando a igreja ao museu do ouro.. e por ai viajava minha imaginação!! Kkkk valeu!!
ResponderExcluirGeraldo (Jurema) Guimarães
Uma construção colonial, uma pesquisa histórica e a voz do povo sobre questões consideradas misteriosas. A partir desses elementos, Isabella nos traz um texto ágil, conciso e claro sobre um monumento muito importante em nossa identidade cultural. Parabéns!
ResponderExcluir-Alzira Umbelino