CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Isolamento social e transformação", texto de Mirtes Chagas e Souza

ISOLAMENTO SOCIAL E TRANSFORMAÇÃO

MIRTES CHAGAS E SOUZA

Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 24. Patrono: Pedro Lúcio Pereira

O fim do período de isolamento social ainda nem chegou, e já estou pronta — e ansiosa — para que esse dia chegue. Não vejo a hora! Esse momento está provocando uma reestruturação da vida de muitos de nós. Paralelamente, tornou-se evidente uma necessidade de remodelação espiritual e social, e isso possibilitou a meditação, reflexão, além da leitura de bons textos, acesso a bons filmes, longos bate-papos em família, orações...

Tudo isso serviu para que nos percebêssemos como seres incompletos, assumindo nossas limitações, permitindo-nos reavaliar posições frente à coletividade, e conscientizando-nos do tamanho de nossa ignorância, nos obrigando, dessa forma, a ressignificar posturas egoístas, hedonistas e excludentes. Sem dúvida, está fazendo brotar em todos nós um entendimento da necessidade de modificar as relações que não privilegiam em nada, a convivência, a identidade familiar, o afeto e a proximidade.

Não. Eu não mudei, em um passe de mágica, de uma visão ingênua para uma visão holística da humanidade. Hoje, nessas circunstâncias tão atípicas, minha visão de mundo está, de fato, se transformando, não por esforço próprio e consciente, mas creio que por força das próprias circunstâncias. Estou mais posicionada, com uma visão mais real, mais crítica... Sobretudo considerando o que de fato é essencial: o outro, a coletividade... Isto nos aponta sentimentos por vezes desconsiderados, como empatia e compaixão.

Julgamentos? Questionamentos? Inúmeros! Claro!  Mas, nestes tempos difíceis, vindos de formas mais suaves, menos culposas, sem, contudo, deixarem de ser exigentes! Conquistas e acertos com certeza serão, daqui por diante, mais valorizados e sempre deverão se converter em pontos de partida!...

Estaríamos, então, inadequados para este momento de transformação? Todo processo de reconstrução passa por um processo anterior de desconstrução! Há que se desconstruir para vivermos esses novos tempos que se aproximam! É urgente reconstruir as formas de viver, de nos relacionar com as pessoas, com o alimento, com o meio ambiente...

A sociedade, os paradigmas da convivência, os modos de trabalho e o tempo sofrerão mudanças que vão impactar a vida das pessoas! As nossas vidas. O que era adequado e coerente para a convivência em sociedade não mais será aconselhado, e talvez teremos até que nos ajustar a hábitos aos quais não estávamos acostumados.

Com isso, teremos que nos abdicar de posturas cristalizadas, opiniões irredutíveis, preconceitos, atitudes perversas e individualismos. Será uma prerrogativa para se viver em sociedade nesta nova fase! Tempos difíceis! Difíceis, porque teremos que nos reinventar! Grandes desafios estarão postos, principalmente dentro destes princípios: abrirmo-nos para a mutabilidade e para a instabilidade, sem nunca nos esquecermos da busca rotineira pela sanidade...

Se fizermos uma leitura do nosso cotidiano e da sociedade como um todo, veremos que uma série de contradições vem se manifestando. Não é raro nos depararmos com o descaso político, nem com a fragmentação dos parâmetros éticos até na resolução das questões mais urgentes e emergentes da nossa sociedade. Busca-se a amenização das consequências; muitas vezes opta-se por soluções paliativas de forma proposital e reprodutiva, em defesa de interesses econômicos, que soam como uma concepção ingênua da falta de conhecimento e do despreparo para a apresentação de propostas concretas. Mas, apesar de assistirmos a tudo muitas vezes impotentes e indignados, esperamos tempos melhores!

Pensando por este mesmo viés, acreditamos que o conhecimento é fruto da ação do sujeito sobre o mundo e é resultado da interação com o objeto e com a apropriação do saber. Nesse sentido, balizar qualidade política e qualidade formal será também uma busca constante. A qualidade política é entendida, nesse contexto, como a capacidade de cada ser humano construir criticamente sua história, sendo sujeito dela, e a qualidade formal, entendida como uma construção mais elaborada do saber científico, partindo da formação técnica, gerando profissionais mais capacitados, para atuar critica e criativamente no processo produtivo.

Perceberam que formar o indivíduo tecnicamente capaz e politicamente ativo e crítico nos aponta para uma Educação que não deve se furtar de combinar qualidade formal e política, e que é necessário e urgente entendê-las, por isso mesmo, como complementares?

Dessa forma, revisar a Educação no país passa a ser uma necessidade inexorável! Estabelecer uma Educação inovadora, em que os indivíduos bebem de fontes que lhes assegurem competência técnica, política e humana, sendo capazes de intervir de forma qualitativa na realidade social, construindo e criando soluções efetivas que transformem a realidade.

Aí sim, com a humanidade mais amadurecida, chegaremos ao tempo de voltarmos a socializar! Abraçar os amigos, apertar as mãos, trocar beijos e dar novas chances para a vida! (Do jeito que gostamos.) Explorar o mundo! Ainda que seja por aqui, bem perto de nós. Enfim, acredito nas mudanças que esta parada nos propõe. Nunca mais seremos as mesmas pessoas! Então, se é para mudar, que seja para melhor!

Convido a todos para usar este tempo como uma preparação, com vibrações bem positivas! Cuidando-se, preservando-se e cuidando do outro também. Fazendo um exercício diário de olhar além do beiral da própria porta, vendo o que é possível fazer, pelo que se alcança com o olhar.

Estarei muito otimista?... Não estranhe! É isso mesmo! É de propósito! Quando terminar o isolamento social, o afeto, a esperança e a alegria precisarão ser disseminados...