CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Frutos da estação", crônica de Alzira Umbelino

FRUTOS DA ESTAÇÃO
Premiado na categoria Crônica do Concurso Literário SINPRO- MG- Ano 2000. Publicado na Antologia 5ª edição do Concurso de Crônicas/Contos e Poesias - páginas 15 e 16. SIMPRO/2000.

ALZIRA UMBELINO
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 7. Patrono: Avelino Fóscolo


Sexta-feira, de tardinha. Givaldo bate o ponto, guarda o carrinho, encosta a vassoura e, ainda dentro daquele bendito uniforme-cheguei, atravessa a rua.
É dar um pulo até o sacolão, fazer uma feirinha e se mandar. Fim de semana, com dinheiro curto, só mesmo um forrozinho no Lavajão e, quem sabe, uns salgadinhos a três reais...

— E aí, Giva, hoje não tem o curso noturno, não? — cutucou o dono do mercadinho, Vicente.

Em seu jeito direto, o jovem lascou: — Ter, tem! Mas ando cheio de papo de professor e sermão de diretora. Nem sei por que entrei neste tal Projeto! Tem gente que formou lá na primeira turma não arranjou nada na vida, até agora!

— Mas vale a pena, meu chapa, correr atrás, recuperar o tempo perdido... — Sei, — cortou o rapaz — prestar atenção é no preço da sua batata! Desse jeito nem precisa comprar sal.

— É questão de safra e entressafra... produtos de época, outros fora da estação... — tentava justificar o feirante.

— Uai, e a laranja serra d’água? Nem veio hoje? — continuava o cara, impaciente.

— Veio, meu filho, veio sim. — afirmou logo o proprietário e indicou, levantando a voz — olha ali, de frente para o cartaz do Dr. Nalberto! — destacou em voz mais alta o nome do tal e emendou — Gente boa, está aqui, ali na porta da frente! É nosso candidato, este ano! Homem simples, conversa com todo mundo. Me trata bem desde que eu vendia verduras num carrinho de mão. Este merece a nossa confiança! — quase discursava, entusiasmado, tentando chamar a atenção de outros fregueses.

Já lá no fundo, Givaldo, incomodado com aquele papo, queria mesmo é terminar logo a sua compra.

— Vicente, que troço é esse, ô, meu?! Quinze centavos a mais na caturra, dez no limão... Não é tempo deles também não? Que roubo é esse? — gritou o gari.

— Roubo, não, menino! — interrompeu sério o proprietário — Coisas da geada, do frio, do frete...

— Ah, sei! — cortou o rapaz, com a sua língua afiada. — O frio, o frete, a frota... Com essa lábia, daqui a pouco, isso aqui vai virar é um hipermercado, e com tudo bem caro!

— Menino!? — o dono tentava interromper, já preocupado com fregueses que se aproveitavam do momento para queixar também.

Givaldo já ia reclamar do inhame murcho, quando sentiu alguém bater em seu ombro.

— E aí, meu amigo, fazendo umas comprinhas?

— Sim, senhor — respondeu o varredor, sem olhar para trás. 

— Família boa, mamãe com saúde? — era o Dr. Nalberto, com aquele jeito de caça-votos.

— Sim senhor — respondeu secamente o coletor.

— E o papai? Como vai aquela força? — insistia o doutor, procurando entabular uma conversa...

De um pulo, Givaldo virou-se para ele: — Meu pai?! Que pergunta é essa? Meu pai já morreu, há onze anos! 

— Ah, que triste... — tentava consertar o doutor, todo esticado em um linho de primeira — deve estar descansando desta vida de luta que é aqui...

— Com certeza, moço! — Givaldo retrucou, sem pestanejar. — Meu pai correu muito nesta vida, muito mesmo! Corria de muita gente! Ele detestava conversa de bicudo, conselho de padre e lorota de político!

Foto: Karen Ramos

Comentários

  1. Olha só... Alzira em crônicas... Que barato, que sutileza, que gostoso de ler... Nossa, surpreendeu-me muito positivamente. Parabéns! Silas

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  2. Como assim,amado Silas?!Ela e otima em prisão e verso, viu?! Que crônica leve, gostosa de ler! Eu a visualizei no "sacolão" do Sr.Orlando, ali, pertinho do Mundo Elegante!!! Vibrei!!!!

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  3. prosa*( até aqui o corretor abestado interfere.Perdao,Amiga!

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  4. Parabéns Alzira! Como Sabarense ausente que sou, estou amando poder visitar e relembrar minha linda e amada Sabará, através de tantas crônicas maravilhosas! Obrigado A.C.L.S
    Geraldo Jurema Guimarães

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  5. Sabe aquelas sessões onde você se torna a protagonista, me senti como Givaldo! Um ser questionador, atento e muito sincero, nos alertando sobre a importância de termos consciência de nossas decisões, por exemplo, uma que gera bastante polêmicas que são as questões políticas!

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  6. Muito obrigada! A prosa é um ótimo exercício para mim! Desculpem-me a demora no retorno! Além de não lidar muito bem com as novas tecnologias da informação, estou lendo as publicações( textos que permitem tantas e boas reflexões!) de meus amigos da academia e preparando os comentários tantas e boas reflexões.

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  7. Correção ao comentário acima:
    "... preparando os comentários." A expressão seguinte é repetição e/ ou melhor, descuido mesmo! Abraços a todos!

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  8. Que maravilha! Dá vontade de ler de novo, de novo e de novo!

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