CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Sabará - Memórias", texto de Zezinho Bouzas

SABARÁ - MEMÓRIAS
O que disseram alguns escritores e historiadores sobre Sabará

JOSÉ ARCANJO DO COUTO BOUZAS
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 6. Patrono: Arthur Lobo


Pesquisando vasta bibliografia para meus estudos sobre Sabará, encontrei farto material memorialista, nas obras de vários escritores e historiadores, falando sobre Sabarabussu, como era conhecida a região, pelos seus primeiros habitantes, os bravios índios botocudos.


Me chamou a atenção o que alguns escreveram, numa linguagem muito própria, manifestando admiração pela terra do Borba, o que me levou, com a devida licença,  a transcrever e comentar o que  disseram, não sem antes sentir um certo orgulho  sabarense.  

Paulo de Oliveira Leite Setúbal, escritor, cronista e jornalista brasileiro, nascido em 1893 em São Paulo, publicou, entre outras obras, Alma Cabocla, A Marquesa de Santos, O Príncipe Mauricio de Nassau, O Sonho das Esmeraldas, levando-o a ser um dos escritores mais lidos do Brasil, nos anos 1920/30. No “O Romance da Prata”, ele nos fala da conquista e posse do virgem território nacional e das notícias das “entradas” pelo sertão brasileiro.

“Foi quando, vindo dos recuados sertões de São Paulo, surge na Bahia certo mateiro de que a história não guardou o nome. Era, certamente, um cabo-de-bandeira. Esse cabo, assim obscuro, procurou a Dom Francisco de Souza e meteu-se a narrar-lhe umas longas histórias que ouvira na sua jornada, histórias de índios, muito encantadas, muito deslumbradoras, sobre uma serrania branca, resplandecente, que dizia existir lá pelo sul, nos emaranhados sertões por onde andara...

—Serrania branca?  Resplandecente?

—Sim, Senhor Governador! Uma serrania branca e resplandecente. Corre voz que há muita prata nas socavas. Os índios chamam a essa serrania de Sabarabussú...”

No século XVII, Minas foi palco de uma verdadeira invasão de gente, vinda de toda parte do Brasil, à procura do ouro, o que ajudou a povoar rapidamente vilas e arraiais, formando uma verdadeira  “civilização”, com características próprias,  pautadas na conquista, a ferro e fogo, do  território que era à época a “menina dos olhos” de Portugal. Neste período conturbado de nossa história, o poeta e  Inconfidente Cláudio Manoel da Costa (Glauceste Satúrnio, um pastor que amava sua musa, Nise — “Vede a história infeliz, que Amor ordena / Jamais de fauno ou de pastor ouvida / Jamais cantada na silvestre avena.), com sua “Obras Poéticas”, deu início ao Arcadismo no Brasil. E ele dizia que: “A Villa Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará  era um dos  mais antigos lugares das Minas das Gerais.”

Bem. Esta afirmação fortalece e confirma a importância de Sabará, na história das Minas Gerais. 

Em 1865 esteve por essas bandas o famoso e intrépido explorador inglês, Sir Richard Francis Burton. Em Sabará, se hospedou na Pensão de Dona Maria dos Prazeres, na rua da Cadeia. Ao avistar a cidade do alto do Morro do Tupi, exclamou: “Sabará nos aparecia de novo, e, dessa vez, o cenário era a Suíça. A encosta, na qual está situada a cidade, muitas torres contam o orgulho e a piedade da antiga população. A pitoresca cidade é a habitual povoação de mineradores, comprida e estreita. Muitas das casas são pintadas, umas de vermelho, outras cor de rosa, com janelas verdes.

Um tempo depois, iniciou sua formidável Viagem de Canoa, de Sabará ao Oceano Atlântico”. Dizia Burton: Sabará foi de madeira, de barro, era de pedra e que breve seria de mármore”. Nisso ele foi um profeta. Ainda hoje, no centro da cidade, encontramos um calçamento com uma linda pedra cor-de-rosa, proveniente de uma pedreira no Morro de São Francisco, de onde se extraia um belíssimo e puro mármore, muito apreciado por pessoas que vinham de longe, adquirir tamanha preciosidade. Talvez Sabará seja a única cidade brasileira pavimentada com mármore.

O sabarense Zoroastro Viana Passos, médico formado no Rio de Janeiro, professor catedrático da Faculdade de Medicina, Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Sabará, foi escritor, com publicações na área de medicina, poesia, e teatro, como “A Dúvida”, episódio dramático, e o “Sabará por um Óculo”, revista de costumes. Produziu três importantes trabalhos como historiador autodidata, fontes de consulta imprescindível para se entender uma boa parte da história de Sabará. No “Noticia Histórica da Santa Casa de Sabará”, faz um trabalho completo sobre aquela anciã instituição. No 1º Volume do “Em Torno da História de Sabará”, nos informa sobre a obra do “Aleijadinho”, no Carmo de Sabará, e, no 2º Volume, relata com detalhes a história da cidade e seus templos religiosos. Este sabarense, numa única frase, define a religiosidade do povo da velha cidade. “Em Sabará, a regra não faz exceção. Onde o ouro abundava, alí plantavam os portugueses e os seus acompanhantes, o seu marco de fé.

Lucia Machado de Almeida, escritora com foco em livros infantojuvenis, casada com Antônio Joaquim de Almeida, primeiro Diretor do Museu do Ouro, filha do escritor Aníbal Machado, Sabarense, de cuja obra disse Otto Maria Carpeaux: “quando se falar de contistas no Brasil, haverá sempre um lugar para o grande escritor Aníbal Machado”, em seu charmoso livro Passeio a Sabará, transcreve um texto do  filólogo e linguista diamantinense, Ayres da Mata Machado Filho, que fala,  com  admiração, sobre a cidade que se lhe descortinava à frente. “A gente sobe e desce ladeiras, atravessa ruas e ruelas, envereda por becos e azinhagas, desemboca em largos e jardins. São passadas meditativas, passos alvoroçados, pisadas comedidas, de olhos fitos em igrejas, solares,  sobrados, casarões e chafarizes. Debaixo  desses tetos e pelas pedras das calçadas, perpassam fantasmas e transcorre a vida.”

O sabarense José de Figueiredo Silva, advogado e poeta nas horas vagas, no livro de poemas Sabarabuçu, se revela um verdadeiro cronista, “de singular riqueza folclórica”, como disse o amigo e escritor, Mário Mendes Campos, sobre seu trabalho, e de evocações fotográficas, acrescento eu. José Patrício, como era conhecido, nos revela isso no “O Meu Poema Bairrista”:

Leal e Heróica, Nossa Senhora da Conceição do Sabarabuçu, velha fidalga e boa que se encolhe no abraço verde das montanhas!... Casas brincando de pique.... Jabuticabeiras que anualmente enchem a cidade de molecadas e de gente grave e chique... Centenárias mangueiras... Os altos fornos como um grito de modernidade... Buzinas de automóveis escandalizando o silêncio cheiroso de antiguidade... Sirenes invadindo o ar pacato.... O Rochedo (?) celebrando eternamente o casamento dos dois rios... O campinho de futebol... Pontes de Ferro e de cimento armado... O Chafariz farto e famoso, afoito por lavar o Kaquende num minuto, com suas bicas inesgotáveis... Os inúmeros templos memoráveis...

E completava, a poetisa e escritora sabarense, Maria Guiomar Orsini, uma das autoras do apoteótico Hino do quase centenário Clube Cravo Vermelho, sobre sua cidade natal:

“Veja esta gostosa Sabará: Das jabuticabeiras, pedregulhos, becos e ladeiras, da grama verdinha, nativa, e jardins com rosa e sempre viva. Da paineira formosa, carregada de flores cor de rosa, tronco enorme, paina, espinhos, seus galhos generosos, abrigam passarinhos.

Dos sobrados com sacadas. Barros com lenha nas estradas. Dos festejos de Santo Antônio, de São João, de São Pedro (acrescento eu: de Santana), nas noites estreladas, balões, busca pés, rojões. Do Rio das Velhas, do Sabará,”

Mas uma cidade ou um arraial não são só ladeiras, becos, igrejas, capelas, edificações. As construções agregam práticas sociais, de convivência humana: procissões, missas, novenas, sinos repicantes, festas, bandas, orquestras, corais, operetas e teatros, lendas, arte, literatura. Heranças conservadas por pessoas, que dão vida às cidades.

Como disse o poeta itabirano, Carlos Drummond de Andrade: “Sabará veste com orgulho os seus andrajos. Faz muito  bem, cidade teimosa”.


Comentários

  1. Muito bom ver sob a ótica de diversos autores nuances de nossa história!

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  2. Quanta "gente importante" passou por essa terra. E quantas ainda estão. Muitas histórias hein...

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    1. Muita gente passou por aqui e ficou admirada com a cidade diferente.Muitos acabaram ficando. Sabará é uma cidade de migrantes

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  3. Muito bom viajar na história com a narrativa gostosa desse autentico Sabarense de corpo, alma e sangue! Parabéns Zezinho!
    Seu primo: Geraldo Jurema Guimarães

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    1. É Jurema. Que bom saber aque você viu o texto. Saudade desse sabarense "sumido".

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  4. Esse Bouzas tem uma forma de combinar as informações que tem sobre Sabará que faz qualquer texto ser um best seller. Parabéns.

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    1. Bom.Jose, este comentario vindo de voce é lisonjeador.Obrigado.

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  5. Ótimo trabalho Zezim Bouzas! Parabéns ! é de grande valor manter viva a memória positiva de tão rica cidade !

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  6. Parabéns meu querido irmão.Me orgulho de você.

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  7. Que compartilhamento mais gostoso de se ler Sr. Bouzas! É muito bom conhecer a nossa Sabará por meio desses diversos pontos de vistas, nos quais as riquezas culturais e de saberes ficaram bem evidenciadas! Grande abraço Edilaine...

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  8. Que delícia ler tantos relatos que são um pouco dos nossos sentimentos com a nossa terra, especialmente enriquecidos pelo olhar de um sabarense orgulhoso, que conhece como ninguém essa terra e nos orgulha também por isso. A mim ainda mais, papai! Obrigada.

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  9. Bom dia Zezim!de novo !
    Parabéns pelo seu belo trabalho ! Gostei !
    Já li o livro do Richard Burton, vi isso mesmo!
    Fico imaginando a beleza que era Sabará naquele tempo! Só ficamos sabendo hoje de alguma coisa porque alguém escreveu naqueles tempos né!
    O que vc fez é dar continuidade a isso ! Veja a importância !
    Abraço

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  10. Zezinho a quarentena está te fazendo muito bem. Obrigado, por compartilhar histórias tão relevantes de nossa querida Sabará. 👏👏👏

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  11. Enquanto lia, viajava pelos cantos e rincões desta terra de Sabarabuçu. Como é bom saber que ainda temos pessoas que relatam e trazem à tona, situações e fatos que ficaram na história enfocando a grandeza de uma terra e seu povo. Parabéns Mister José Bouzas.

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  12. É sempre uma aula de história, quando se ouve o professor José Arcanjo!

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