Especial: "Helena: uma breve análise", de Leonardo Santos de Oliveira

Artista, Ilustrador, Aquarelista, Tatuador e Participante do Grupo de Leitura Machado de Assis 


HELENA: UMA BREVE ANÁLISE


[Este texto pode conter spoilers da trama]



Caro leitor,

O Rio de Janeiro à época do lançamento de Helena, de Machado de Assis, vivia um momento único: a concentração do poder político e administrativo do Brasil Império, transformações culturais e econômicas, transformações essas que também refletiram no campo social e literário. É nesse período que nosso escritor estabelece a matriz do que viria a ser um de seus romances mais conhecidos, e um dos preferidos do próprio Machado. Publicado em folhetim semanal no jornal O Globo no ano de 1876, o romance Helena representa a terceira obra do romantismo machadiano.

O enredo é marcado pela a idealização de um amor romanesco, de personagens que lutam para manter o nome da família numa hierarquia de status social, imposição de costumes e tradições limitantes, e uma aferição da moralidade que confronta a tradição social e religiosa, causando estranhamento e desconforto durante a leitura. Machado de Assis, a cada capítulo, nos coloca contra a parede com temas tão controversos e polêmicos, fazendo-nos refletir profundamente sobre as sutilezas das relações humanas.

 Iniciamos o primeiro capítulo com a notificação da morte do Conselheiro Vale. Lido o testamento e feitas todas as formalidades legais, o finado declarava reconhecer uma filha de 17 anos chamada Helena, fruto de um relacionamento extraconjugal com D. Ângela da Soledade, declarando a moça sua herdeira. Ela deveria morar também na casa da família em Andaraí e ser tratada com desvelo e carinho como se de seu matrimônio fosse, conforme descrito no testamento e na obra.

Assim como Helena, nós leitores somos jogados em meio a um turbilhão de acontecimentos dos quais não sabemos a causa, tal como desconhecemos a razão ou circunstância de tal atitude do chefe da família. O novelo se desfia para uma trama obscura, melancólica e pessimista, característica do romantismo; vemos surgir personagens altruístas, de bom coração, amáveis; outros, ambiciosos, cínicos, mimados, fofoqueiros e aproveitadores — o retrato de um corpo social mesquinho, um panorama doméstico da elite carioca do século XIX.

Porém, o enredo não nos permite confiar plenamente em ninguém, nem mesmo em Helena, nossa protagonista, que oportunamente recebe a alcunha de “andorinha viajante”. Eis, também, a genialidade do nosso autor na construção psicológica de cada personagem: a escolha minuciosa de cada nome, tal como o simbolismo dos gestos em momentos pontuais da história, revelando a conta gotas o segredo nebuloso da origem de Helena do Vale até o seu derradeiro fim.

De fato, Machado de Assis é minucioso, meticuloso a tal ponto de priorizar tão-somente nomes trissílabos para os personagens principais da obra: Estácio, Helena, Eugênia, Camargo, Mendonça, Úrsula, Ângela, Salvador… Entre os nomes, todos contêm significados simbólicos metafóricos, caracterizando a psique de cada personagem conforme descrito abaixo.

Conselheiro Vale: Vale é uma planície entre duas montanhas ou colinas, representando, assim, a vida dupla do Conselheiro, que se dividia entre a família e seus amores extraconjugais — matrimônio e luxúria.

 Camargo: a própria fonética do vocábulo nos remete a uma sonoridade ríspida e rasgada. Retirando-se a letra C, fica “amargo”, o que é amargoso, desagradável, um personagem frio, calculista, inconveniente, ambicioso e manipulador.

 Melchior: inicia-se com “mel”, aquele que é doce, amável, um personagem caridoso, prestativo, conselheiro, benevolente; o oposto de Camargo.

Estácio: filho do Conselheiro, seu nome lembra a ideia de alguém estático, parado, inerte, estacionado.

Úrsula: palavra derivada do termo “ursa”, irmã do Conselheiro, senhora robusta, forte, corpulenta. Raramente Dona Úrsula sai de casa, assim como um urso, a preferir a hibernação do próprio lar.

Salvador: aquele que ampara, protege. Simbolicamente aludindo à figura de Cristo. Entregou a si por amor aos outros (Helena), suportou a dor da traição de quem dizia amá-lo (Ângela), fez-se o mais miserável dos homens para que os outros pudessem ter vida, e vida em abundância.

Com isso, creio que seja o suficiente para demonstrar minimamente a genialidade de Machado de Assis, e o quanto de detalhes sublimes está embutido em sua obra. O Grupo de Leitura Machado de Assis da Academia de Ciências e Letras de Sabará, ministrados pelo escritor Bernardo Lopes, nos permite atingir uma camada mais profunda e satisfatória das obras machadianas, podendo eu afirmar através desse relato o quão enriquecedor tem sido participar desse projeto.


Leonardo Santos de Oliveira
Artista, Ilustrador, Aquarelista,Tatuador e Participante do Grupo de Leitura Machado de Assis




Helena é o quarto livro de Machado de Assis lido pelo Grupo de Leitura Machado de Assis, que pretende ler toda a obra longa do mestre. O grupo é organizado e moderado pelo escritor e professor Bernardo Lopes, Presidente da Academia de Ciências e Letras de Sabará, que apoia o projeto junto à Prefeitura Municipal de Sabará. No primeiro semestre de 2025, leremos juntos o romance Iaiá Garcia, de Machado de Assis. Acompanhe nossa página do Instagram para o anúncio das datas! É Grupo de Leitura é gratuito e seus encontros são semanais e presenciais.


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Comentários

  1. Belo texto , Léo! Parabéns pela riqueza de detalhes.

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  2. Nosso matemático colega de estudos, você foi brilhante ao analisar essa obra de Ma cha do!!! Parabéns!!! Leo nar do!!!
    Bjos! Mônica Maria.

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  3. A sua criatividade em reproduzir o que poucos enxergam é um luxo! Parabéns por compartilhar conosco, sua rica visão!!!

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  4. Fantástico Léo!
    Que top, me fez pensar em cada noite de discussão dos capítulos!
    Excelentes observações!

    Pr Willian Alves

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  5. Excelente! Muito claro e didático! 👏👏

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  6. Parabéns, colega Leo. Sua incursão pelo mundo de Machado muito acrescenta para nós. Gratidão. Silvana Maria Fernandino

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