"D. Arminda", de Mirtes Chagas e Souza

Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 24. Patrono: Pedro Lúcio Pereira

D. ARMINDA

O chá fumegava na mesa, seu vapor sinuoso enchia o ar com o cheiro fresco da cidreira, e, como num sopro do tempo, minha memória trouxe D. Arminda. Era pequena no porte, franzina no corpo, mas carregava no espírito uma força tão vasta quanto o mundo.

Sua presença era marcante. Os cabelos, sempre trançados e protegidos por um pano branco, alvejados pelo zelo e pela simplicidade, faziam-na parecer uma rainha, coroada por sua dignidade. A pele negra, vincada e enrugada, era o mapa de uma vida árdua, onde cada linha contava uma história sob o sol impiedoso. Seus dentes, escurecidos pelo hábito de mascar fumo, brilhavam de outro jeito, no contraste com sua voz grave, tão cheia de verdades e segredos.

E aqueles pés... descalços, fortes, ágeis e espertos, moldados pela terra, que conhecia como poucos. Os passos de D. Arminda tinham um propósito: encontravam trilhas onde só havia mato, levavam-na aonde era necessária.

D. Arminda sabia o que ninguém mais sabia. Cada planta tinha um nome, um remédio, um milagre, e ela conhecia todos. Com seu saber ancestral, seu dom, ela era mais que curandeira — era a guardiã de vidas e esperanças.

— D. Arminda! Meu filho está com sarampo! — gritava uma mãe, desesperada.

— Sabugueiro, minha filha! E não o deixe pegar friagem ou sereno! — respondia ela, com a calma de quem carrega o saber no coração.

E, quando alguém se queixava da pressão alta, ela sabia o que dizer: — Congonha-de-bugre com folha de chuchu. E nada de sal, nada de sol.

Era sempre assim. Uma palavra certeira, uma solução à mão. Suas mãos... Ah, essas mãos! Ásperas, marcadas, como se carregassem o próprio mundo. Eu as adorava. Não pelo carinho, porque carinho não combinava com sua vida, mas pelo que elas faziam. Mãos que curavam, que plantavam, que colhiam. Mãos que carregavam amor disfarçado de trabalho.

Ela repetia, sempre: — As plantas são presentes de Deus para nós.

E como era belo vê-la desaparecer no mato, pés firmes no chão, para voltar carregada de milagres. Ervas nos braços, lenha na cabeça, sapé para cobrir barracões ou encher colchões. Cada feixe carregava a promessa de uma vida melhor.

Eram tempos de simplicidade, de dureza. Tempos que talvez se percam na poeira do agora, mas que continuam vivos na memória. Mas D. Arminda, com sua voz entre os dentes cerrados, ensinava e curava, num ciclo infinito de amor e sabedoria.

Não sei quando ela se foi. Uns dizem que morreu, outros que virou estrela. Há quem jure que ela foi para o Céu, sem nunca realmente sair do Boqueirão.

O que é certo é que D. Arminda permanece. No cheiro do mato, no gosto dos chás, na memória daqueles que a conheceram. Porque gente como ela não desaparece.

E quanto ao seu destino? Talvez tenha ido apanhar mais um feixe de sapé, quem sabe? Afinal, quem conhece as trilhas da vida nunca deixa de caminhar.

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