CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Quarentena: reflexões sobre o antes, o durante e o depois", texto de Cláudia Guimarães Costa
QUARENTENA: reflexões sobre o antes, o durante e o depois
CLÁUDIA GUIMARÃES COSTA
CLÁUDIA GUIMARÃES COSTA
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 13. Patrono: Hélio Costa
Cadeira 13. Patrono: Hélio Costa
Vivemos
tempos estranhos e, como tudo que é novo, nunca experimentado, essa é uma
tarefa difícil. O que é desconhecido vem acompanhado de medo, insegurança,
dúvidas e resistência. A rotina, a vida organizada, com tudo acontecendo ao
longo dos dias da semana conforme programado, é a nossa zona de conforto.
Normalmente,
cinco dias da semana são reservados para o trabalho e, quando possível, dois
dias — sábados e domingos — são para lazer e diversão. Precisamos disso, desses
dois dias para nos ajudar a diminuir o ritmo, esquecer as preocupações e a pressão
diária que nos estressa.
Passada a
semana, é necessário tentar relaxar, mudar a rotina e ficar mais leves. E
nesses momentos as relações afetivas, família e amigos, eventos sociais ou
simplesmente não fazer nada e permanecer em casa normalmente, nos deixam mais tranquilos.
Precisamos desse respiro, dessa lacuna, após nosso desgaste pela dedicação do
dia a dia. Em tempos de competitividade
excessiva e de escassez da oferta de trabalho no mercado, o ser humano vem
trabalhando mais do que deveria, ou precisaria, numa luta incansável para
alcançar algo, mas que ainda não sabemos muito bem o que é...
Contudo,
nos últimos meses, a rotina e a programação tiveram de ser desfeitas devido a uma
pandemia. No Brasil, desde março, fomos todos obrigados a mudar nossos planos. A
mudança foi, e ainda é, um desafio enorme. A insegurança, o medo e o desconforto
dessa nova forma de viver tornou-se nossa realidade.
Porém, é
preciso reconhecer que, apesar do novo ser um desafio, muitas vezes
amedrontador, vivenciá-lo a cada dia e superá-lo nos torna mais fortes e nos
faz enxergar o quanto somos capazes. Cada um de nós, mesmo com as limitações
pessoais, podemos mudar, podemos nos adaptar e evoluir, sendo esta uma
capacidade inerente aos seres humanos. Portanto, temos e devemos aproveitá-la.
Enfrentar
o que é novo e desconhecido pode trazer um resultado muito positivo, um
aprendizado para a vida. Vivemos uma oportunidade, talvez a única, de nos
conectarmos com nós mesmos e com o nosso núcleo familiar. Temos a chance de
(re)conhecer nossos filhos, acompanhar de perto o crescimento, participar dos momentos
alegres, dos momentos de angústias, encarando juntos os desafios, fortalecendo
e estreitando laços que, com a rotina “de antes”, não vivenciaríamos.
Não
sabemos até quando viveremos assim, não sabemos se continuaremos empregados ou,
mesmo continuando, se nossos empregos serão os mesmos. Não sabemos se teremos
nossa rotina reestabelecida — não sabemos e ainda estamos distantes das
respostas. Portanto, devemos aproveitar e utilizar o que aprendemos sobre nós neste
momento.
Compartilho
com vocês algumas das minhas descobertas pessoais. Descobri que preciso de
pouco para viver, e que tudo bem ter dias ruins e outros bons, faz parte da
nova realidade e da antiga também. Descobri que estar longe dos que eu amo é a
maior prova de amor que posso dar a eles e que em breve poderei estar junto para
beijar e abraçar.
Descobri
que optei pelo completo isolamento por mim, por minha família, por meus pais,
por acreditar na Ciência, pelos meus amigos e conhecidos, mas também pelos que desconheço.
(Re)Descobri
que sou privilegiada, pois permaneço em casa trabalhando. Dessa forma, tenho a
certeza de que ajudo muitos outros brasileiros
que não podem fazê-lo, por prestarem serviços essenciais. Eu os admirava, mas,
agora, posso dizer a eles que eu os admiro muito mais. Hoje eu enxergo que uma
das loucuras da rotina de antes é que estávamos no automático; assim, eu não pensava
ou enxergava o quanto eles são mesmo ESSENCIAIS.
Descobri
que não sobrevivemos sem os lixeiros, sem os entregadores, sem os funcionários
de farmácias, de supermercados e dos hospitais, sejam técnicos, enfermeiros ou
médicos, ou sem trabalhadores de limpeza de todos esses segmentos. Para que
nossa rotina funcionasse como planejávamos, percebo que eles sempre foram essenciais,
porém invisibilizados. A diferença é que agora os vejo e, portanto, enxergo o
quanto são essenciais!
Descobri
que eu consumia em excesso e que consigo sobreviver com menos (que também é
muito, mais uma vez o privilégio). Agora vejo que muito do que possuo não é essencial.
Descobri
que dar aula remota pode ser muito bom! Confesso que tinha um (pré)conceito com
relação ao ensino à distância, mas aprendi e entendi que é possível ensinar
assim e que esta pode ser uma forma de popularizar o acesso à educação, desde
que todos possam ter também Internet gratuita e de qualidade.
Descobri,
além disso, que a Internet foi a maior e melhor descoberta dos últimos tempos.
Imagine vocês se estivéssemos vivendo esta pandemia há uns 15, 20 anos? Imagine
o caos e o efeito nocivo do isolamento completo, sem vídeo de chamada, sem
aulas remotas, sem home office? Não
sei se eu sobreviveria, não sei se muitos de nós sobreviveríamos.
Descobri
que é provável que, nesse momento, as pessoas consigam enxergar a importância
de repensar a relação com a nossa casa comum. Esta não é a primeira doença que
chega até nós, com seu efeito devastador, como consequência de termos
ultrapassado os limites. A natureza tem sua rotina, suas relações harmônicas e,
quando isso muda, sentimos os efeitos.
Descobri
que, em poucos dias, com a diminuição do ritmo louco do dia a dia, a natureza
renasceu, o ar está mais puro e os animais estão aparecendo, mesmo nos grandes
centros urbanos. Fico imaginando como eles estão se sentindo por estarem do
outro lado nesse momento, os humanos presos e eles livres. Uma boa hora para repensar
os animais engaiolados...
Descobri
que posso ter o alívio de um momento tenso de trabalho aqui, no quarto ao lado,
no beijo e no abraço inesperado na minha filha, no abraço e beijo no marido, no
café quente que ofereço a ele, ou no que eu recebo.
Descobri
o valor desse momento único que toda a humanidade vive. Descobri que
conseguimos sobreviver convivendo com nós mesmos e com aqueles com quem
escolhemos dividir o mesmo espaço. Descobri o quanto esta oportunidade é única!
Podemos nos (re)conhecer nas nossas relações, nos nossos valores e prioridades.
Podemos e devemos (re)avaliar o nosso dia a dia louco. Afinal, basta nos
perguntarmos: por que nos permitimos trabalhar tanto? O que buscamos?
Descobri
que não teremos mais a nossa rotina como era antes. É, pelo menos, no que acredito.
E esta é uma das minhas maiores descobertas nesta pandemia: sei o que não quero
mais!
Foto: Lilian Afonso
Querido leitor, assine seus comentários!
Querido leitor, assine seus comentários!
As palavras nos motiva a refletir sobre o nosso poder sobre as escolhas, como temos poder.
ResponderExcluirBeleza de texto
ResponderExcluirGostaria de ter escrito esse texto, como me representa, como representa a todos nós conscientes dessa realidade, do outro e de nós mesmos. Bravo, menina bonita!
ResponderExcluirSelma
Lindo texto Cláudia. Você é este ser que pensa como o mundo pode funcionar com o coração e a ciência
ResponderExcluirQuerida Cacau! Texto maravilhoso! Traduz o que sente e vice todos os Brasileiros nesse momento tão difícil! Parabéns!
ResponderExcluirGeraldo Jurema Guimarães
Descobri, descobrimos... O seu "eu" expressou a coletividade ... Glaura
ResponderExcluirComo foi bom redescobrir com você o que é realmente importante,querida!!!!Nesses tempos de isolamento,estamos nos redescobrindo e aprendendo a ser mais humanos,afinal!!!!! Parabéns,Cacau!!!!
ResponderExcluirMônica Maria
Muito inteligente seu texto Cacau! Parabens!
ResponderExcluirEu descobri que pessoas talentosas, solidárias e cheias de amor pra compartilhar, vivem por aí, a nossa volta, e que a gente, desapercebido da importância e da beleza do simples não consegue absorver. Parabéns Cacau! Muito lindo - Silas
ResponderExcluirCláudia, o seu meditar se conecta com milhões de pessoas que por muito tempo estarão comungando e vibrando num mesmo pensamento. O bem-estar de toda nossa psicosfera depende de emanações verdadeiras como a sua. Estou certo de que o mundo é uma família, mesmo quando nos arriscamos a falar a língua dos anjos!
ResponderExcluirPuxa Claudia que texto belo!só hj tive a oportunidade de me assentar e tranquilamente,vendo o pôr do sol ler o que escreveu.Maravilhoso!Continue..
ResponderExcluir.Nao se pode deter coisas assim tão boas!!! Afetuoso abraço!!!
Reinaldo