CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Histórias da quarentena", texto de Rodrigo Cabral

HISTÓRIAS DA QUARENTENA

RODRIGO CABRAL

Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará

Cadeira 15. Patrono: Joaquim Sepúlveda

Era dia de Corpus Christi. Dona Rita estava ajoelhada na calçada, em frente à casa dela, no bairro Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, à espera da passagem do carro com o Santíssimo Sacramento. Mostrava fotos da família e chorava. Perguntei por que estava tão emocionada, e a resposta me deixou arrepiado:

— Jesus é tudo pra mim. Eu tô com saudade de comungar, de ir à missa, moço. Essa pandemia tem que passar pra eu voltar a receber o Senhor.

De alguma forma, o temido vírus mexeu com a vida de todo mundo. Não importa religião, idade, classe social ou profissão.

Seu Moisés, de 73 anos, começou a fazer acrobacias sobre duas rodas no circo quando era criança e ficou conhecido como o “Rei do Pedal”. Acostumado a proporcionar momentos de alegria e diversão para milhares de pessoas, ele nunca imaginou que passaria por tudo isso e que sentiria tanta falta do picadeiro.

— O circo pede socorro. Há mais de três meses parado. Ninguém ganha dinheiro.

Por outro lado, a quarentena se tornou uma grande oportunidade pra muita gente se reinventar, descobrir novos dons e investir em novas fontes de renda.

Recentemente, entrevistei um jornalista que é dono de uma agência de comunicação e transformou um cantinho do amplo escritório dele numa pequena fábrica de pães e bolos artesanais. O aprendizado vem de alguns cursos que ele fez nos últimos anos.

A história de uma experiente maquiadora que teve que parar todos os atendimentos por causa do isolamento social  também virou reportagem. Ela decidiu investir numa antiga paixão: a culinária. E, assim, as receitas que aprendeu com a mãe se tornaram um saboroso negócio.

E o que dizer da iniciativa do Antônio, na região do Barreiro, em Beagá? Quem passa em frente à casa dele se depara com uma pia móvel para lavar as mãos. O morador compartilha água e material de higiene da própria residência. E, já que uma mão lava a outra, muitas pessoas passaram a fazer doações para ajudar. 

Solidariedade, empreendedorismo, resiliência e fé. É bom saber que a pandemia não é feita só de lágrimas e números alarmantes. Por trás de cada estatística, há uma grande diversidade de sentimentos e de histórias de vida.

Foto: Fabiano Lopes

ab

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