"Tenho fome", de Rodrigo Cabral
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 15. Patrono: Joaquim Sepúlveda
TENHO FOME
A atitude de um menino de 11 anos, em Santa Luzia, na
grande Beagá, teve grande repercussão nacional nas últimas semanas. O pequeno
Miguel não aguentava mais ver os irmãos chorando de fome e a mãe, também em
prantos, por não ter comida dentro de casa para dar aos seis filhos.
Célia cuida sozinha deles. O mais novo tem 9 meses, e o
mais velho, 17 anos. Ela perdeu o emprego durante a pandemia e a ajuda que
recebe de programas sociais do governo não é suficiente.
Sem a mãe saber, o Miguel pegou o celular dela e fez uma
ligação surpreendente.
Polícia: “190, qual é sua emergência?”
Menino: “Seu policial, aqui... É
porque aqui em casa não tem nada pra gente comer. Aqui, minha mãe só tem
farinha e fubá pra gente viver.”
Polícia: “Sua mãe não trabalha,
não?”
Migues: “Não.”
Polícia: “E nada pra você comer então,
desde cedo?”
Miguel: “Não tem nada pra comer,
desde cedo.”
Polícia: “Vou passar a informação
aqui pra viatura, para ver o que ela pode fazer, tá bom?
Miguel: “Viu.”
Os policiais
acharam que poderia ser um caso de maus tratos. Mas, quando viram a situação desesperadora
da família, ficaram muito sensibilizados. Na mesma hora, fizeram uma vaquinha e
compraram uma cesta básica.
Com a divulgação
do caso na mídia e nas redes sociais, doações chegaram de todo canto. A PM
recebeu ligações de pessoas querendo ajudar a família do Miguel até do
exterior. E a iniciativa do garoto deixou o armário e a geladeira da casa dele
abarrotados de alimentos.
Esse final
foi feliz, mas a barriga vazia continua sendo “caso de polícia”. Quando o
assunto é comida na mesa, a realidade é dura, difícil, incerta, desoladora.
O Brasil tem,
atualmente, cerca de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar
grave, ou seja, passando fome. Gente que não tem nem farinha nem fubá para
viver.
As
estatísticas mostram também que, em outros milhões de lares, falta acesso pleno
à alimentação. Tem comida mas nem sempre.
Esse cenário
é ainda mais dramático que o do ano passado, quando ficamos chocados,
indignados, boquiabertos, ao ver pessoas na fila do osso em açougues ou procurando
comida em caminhões de lixo.
E tudo isso,
num país que é grande produtor de alimentos.
No marcante livro
Quarto de Despejo: diário de uma favelada, a mineira Carolina Maria de
Jesus, uma catadora de papel, escreveu:
“... A
tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a
cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro
do estômago.”
Emergência!
Quem tem fome
tem pressa e não pode esperar.
~
Querido leitor, assine seus comentários!
Sensibilidade linda desse amigo poeta Rodrigo! Que consigamos mitigar essa “fome” com políticas públicas que permitam dignidade na vida das pessoas!
ResponderExcluirInfelizmente, muitas famílias estão nesta situação... triste de se ver.
ResponderExcluirSensível! Aquele tipo de leitura que era para ser só ficção
ResponderExcluirMaravilhoso posicionamento, Rodrigo! Realmente a fome nos aproxima do caos relacional. Parabéns.
ResponderExcluirRodrigo, essa sensibilidade para compreender e compartilhar essa urgência/emergência faz aumentar ainda mais meu amor por você. ❤
ResponderExcluirRodrigo seu texto reacende e.m nós a expectativa por políticas públicas de combate a fome urgentes e eficazes e mais que isto nos impele a não só constatar e nos dizer sensibilizados, mas também intervir de alguma forma nestas duras realidades. Tem um menino destes em cada canto, em cada pé de morro...
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Infelizmente é uma realidade difícil de acabar. Só Deus!
ResponderExcluirSeu texto traz uma imagem difícil de "olhar" pois é crescente e recorrente na nossa sociedade. Os fatos que relatam a insegurança alimentar reacendem a necessidade de rever e reavaliar o papel das políticas publicas de combate a fome. Belo texto!
ResponderExcluirDarsoni