CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Eu te amo", texto de Bernardo E. Lopes
EU TE AMO
BERNARDO E. LOPES
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 17. Patrono: Júlio Ribeiro
“É
amor. Eu amo as pessoas tanto que às vezes parece
que eu vou explodir.”
Da peça de teatro John Steinbeck’s The Grapes of Wrath,
de Frank Galati
Na série Admirável Mundo Novo, adaptação do clássico de Aldous Huxley para a
TV, o selvagem John diz à bela Lenina, num momento secreto de intimidade: “Eu
te amo”. Não se engane — ser “selvagem” aqui é ser como nós. John vem de um
lugar onde as pessoas nascem, sofrem, se apaixonam, se reproduzem — e, no
“admirável” mundo novo do título, a que Lenina pertence, a sociedade já superou
esses costumes. Os humanos nascem de um processo de tecnologia in vitro. Vive-se aqui para o trabalho,
para manter o bem-estar comum, para farrear, sem intrigas, lágrimas ou
disputas; tudo na base de um remedinho chamado “Soma”, tomado com frequência compulsiva
para se evitar qualquer tipo de desconforto emocional. Num mundo assim, não há espaço
para o amor, nem para o sofrimento; não há tempo para se pensar; é preciso se
distrair, “ser” pelo “todo”, não por si só — quem dirá por um “par”. Já as
terras de que John vem não são assim tão “evoluídas”. Ele ainda quer formar com
Lenina um casal clássico, e ela pertence à cultura em que a monogamia — e tudo
mais que pode gerar emoções fortes — foi convenientemente eliminada.
“Agora eu
falo ‘Eu te amo’ de volta?”, ela pergunta, instigada, após ouvir a declaração.
Lenina está despertando para sentimentos; parou de tomar a pílula que suprime
emoções e que impede reflexões; tem dúvidas, agora, sobre se não quer se
dedicar a alguém: algo a prende a John. Mas Lenina ainda não conhece as
dinâmicas de uma relação. Depois de ouvir Eu
te amo, ela precisa responder “Eu também”?
Não tanto
qual protocolo se deve seguir, o questionamento que me aflige é bem diferente:
Será que eu digo Eu te amo demais? Isso
e seus outros tipos: Te amo, uma
espécie de lembrete oficial, mesmo que coloquial; Amo você, um voto de admiração calorosa; e Love you, ao fim das aulas para alunos com quem compartilho o
prazer pela troca e pelo aprendizado. São frases fáceis de se arrancar de mim.
Isso porque eu banalizo seu significado? Não. Isso porque, para mim, amamos de
um jeito muito diferente do que pensamos amar.
Santo
Agostinho dizia que “Só se ama o que se conhece”. Eu concordo e também
discordo. Concordo porque no fundo todo mundo se conhece. Só fingimos que não;
mas, se quiséssemos, nos conectaríamos de verdade. E discordo porque é
possível, sim, amar o que se desconhece. Mesmo na ilusão, será que não é amor
se sentir atraído pelo que não é nítido?, por um elemento obscuro que nos seduz
em sua possibilidade de um dia o amarmos numa dinâmica de clareza?
Veja o
que Thomas Mann, escritor alemão, falou sobre isso em sua novela de 1912, Morte em Veneza:
“Não há
relação mais estranha, mais melindrosa, que aquela entre dois seres que se
conhecem só de vista, que se deparam um com o outro diariamente, sim, às vezes
até de hora em hora, que se olham com uma consideração fixa, e ainda assim por
algum capricho pessoal ou convenção social se sentem pressionados a agir como
estranhos. O desconforto prevalece entre eles, uma curiosidade não saciada, um
desejo histérico de dar asas a seu impulso reprimido de demonstrar
reconhecimento e dirigir uma palavra; até mesmo, na verdade, um tipo oprimido
mas mútuo de respeito. Pois um ser humano instintivamente sente respeito e amor
por outro ser humano enquanto não o conhecer bem o suficiente para julgá-lo; e
este querer ir mais fundo é um produto do saber pouco sobre o outro.”
Para mim,
é amor isso que a gente se segura para não demonstrar, por medo de perder o
tom, de dar chance ao perigo. Mas ainda vivemos muito sob o velho paradigma,
herdado do Romantismo, de que “se acabou, não era amor de verdade”. O que era,
então? Sentiu que era amor, era amor. Ainda que passe. Ainda que eu mal te
conheça. Amor passa por baixo de nós. Ele está antes de o seu
pensamento se formar.
E há quem
já brincasse com essa ideia cem anos atrás. Em 1920, o escritor austríaco
Arthur Schnitzler publicou A Ronda,
uma peça de teatro com dez cenas: dez encontros. Em quase todos eles, esse amor
espontâneo, do encantamento pelo outro sem precisar de uma história cheia de
nuances, é claramente percebido:
Num canto
escuro de um bosque, um rapaz e uma moça que acabaram de se conhecer numa festa
num parque se levantam da grama, ele acometido pela onda de razão que dilui o
sentimentalismo após o gozo, ela ainda embalada pelo sentimento que os levou a
se deitarem juntos. A pergunta surge: “Me diga... Você me ama?” Eles não têm
uma história juntos. E o interessante é que a resposta é consciente desse
detalhe: “Mas eu acabei de te dizer que eu te amo”.
Soa
deseducado, mas não é insincero. E colabora com a ideia de que, se esses dois
estranhos se permitem dizer que se amam, eles acreditam num tipo de amor que
corre por baixo das circunstâncias. É o desejo e o conforto de estar com
alguém, ou todos juntos.
Amo os amigos
ou amigas dos meus pais, que, em meus posts
nas redes sociais, comentam mensagens de carinho que terminam com um corajoso “Amo
você”. Será que eles me conhecem o
suficiente?, você se perguntaria. Será que é isso que importa?, eu pergunto
a você. Por um lado, todos se conhecem. Somos todos humanos e queremos ser
amados; por mais clichê e piegas, no fundo é isso. E eu respondo, sempre,
“Também amo você”, porque de fato os amo: porque o amor é essa coisa por trás
de tudo, inclusive do fato de não sabermos tão bem sobre os outros, nem eles
sobre nós.
É por
esse motivo que faço questão de deixar registrado, às vezes nas mais banais
situações, que amo quem está aqui. Não consigo não dizer que amo uma amiga ou um amigo após um papo rápido por
mensagem, após um simples favor de me ajudar a tirar livros de uma caixa e pôr
em outra; um amigo ou amiga que me acompanha na feira da semana, porque tarefas
chatas são mais suportáveis a dois. É doloroso para mim deixar a amiga ou amigo,
o primo ou a prima, tios e tias, que passaram o domingo bebendo comigo, irem
embora assim, sem que eu deixe claro meu amor por quem são e por sua companhia.
Impossível!
E não me
despeço dos meus pais sem lhes dizer “Te amo”. Mesmo que, emburrado, depois daquela
lição de moral que vai entrar num ouvido e sair pelo outro — ou que talvez não
—, mesmo que, corroído de orgulho, eu me exima de declarar o amor na despedida,
vou para casa pensando: “Tomara que estejamos vivos amanhã pra eu voltar a
falar ‘Eu te amo’ sem anular as duras verdades ditas durante a briga”. Caso amanhã
seja tarde demais, o que pelo menos ameniza a ansiedade é a certeza da
frequência com que eu falei, muito mais alta que da maioria.
Sobre as
respostas, é curioso de se pensar. Às vezes, pós-“Eu te amo”, escuta-se o silêncio,
ou um simples risinho, ou um nervoso comentário: “Você é um fofo”. Talvez sejam
pessoas que não veem o amor como eu vejo.
É
provável que o medo delas em responder a um “Eu te amo” dito em várias circunstâncias
em que isso soa tão desnecessário seja proveniente da dúvida de seu próprio
conceito de amor, ou da certeza de que amor, para elas, não é nem de perto
aquilo que estou demonstrando ali.
Muito se
diz que só se deve dizer “Eu te amo” se é isso que se sente. E, se a pessoa não
tem certeza de se é aquilo que chamaria de amor, nada mais sábio do que não
nomear as coisas assim. Então, quando não
respondem que amam, é porque não amam? — aquela pulga atrás da orelha coça.
Mas, na verdade, pode não passar de uma reação de incômodo ao se ouvir proferir
algo tão sagrado numa situação tão corriqueira. Ainda mais para alguém
que pode estar sendo tão leviano,
senão blasfêmico, em a deferir assim, com tão pouco cuidado.
Para mim,
quando se trata desse sentimento, há mais cuidado em dizer do que em não dizer.
E, tendo aprendido o que é amor para mim, me falta aprender agora a não me
questionar quando, em vez da resposta espelhada, me vem o silêncio, ou o sorriso
sem graça; ou um agradecimento, no mais curioso dos casos.
Pode
parecer que eu digo “Eu te amo” por conveniência; e que não é preciso — não há
nada que meter amor no meio de tudo. Se as pessoas têm dificuldade em responder
mesmo amando de volta, a dúvida ao virar as costas é inevitável: Será que eu exagero
em falar essa frase?
Na sequência
da cena de Admirável Mundo Novo, a
dúvida de Lenina sobre qual passo tomar ao ouvir a mais icônica das frases das
terras selvagens resulta numa reação paciente, mas assertiva, por parte de John.
“Sim”, responde ele; o normal é se dizer o mesmo. E completa: “Mas só se você—” Lenina
interrompe antes que ele possa terminar: “Eu te amo, John.” O silêncio ecoa
entre eles, e, abraçando-o forte, ela comenta, em frenesi: “Que divertido falar
isso!”
John não
retruca; fica matutando, em silêncio, se deve se chatear ou não. É doloroso para
ele que amar seja para Lenina algo tão novo — e que vai demorar até que ela
domine a dinâmica, com todas as suas nuances e os seus protocolos.
Mas
Lenina nota o incômodo dele. Angustiada, ela pergunta: “Eu falei do jeito
errado?”
“Não,
não, não”, responde John, a beijando. Eles trocam um sorriso nervoso.
“Perfeito.”
Uma
cantora que amo declarou, numa música, a verdadeira libertação de poder sentir
e dizer o que sente: “Fo**-se, eu te amo”,
canta ela. E é isso que eu declaro, em consonância, neste momento. Porque é
amor o nome que dou ao que eu sinto, então é amor que eu defendo, e é de amor
que eu falo. E, não menos importante, torno minhas as palavras de outra artista
querida, que uma vez cantou: “Eu estou apaixonado. E sempre estarei.”
~
Que maravilhoso! Quanta clareza e sinceridade no seu texto! Simplesmente perfeita a sua visão do amor. Tenho certeza que o seu eu te amo faz todos refletirem sobre esse sentimento. Te amo!!
ResponderExcluirEu te amo, sr. Presidente!
ResponderExcluirAmo e o admiro cada dia mais, a cada encontro
Texto excepcional! Que sensível lucidez... Sensata emoção ao discorrer sobre amor... Eu te amo! Glaura
ResponderExcluirQue lindo! Muito bom ouvir, às vezes difícil falar. Mas, seu texto me leva a pensar mais sobre o falar do amor que sinto.
ResponderExcluirTe amo Bê!!
Como não te amar Bê! Parabéns pelo texto um caminhar doce entre palavras que descreve como é doce ouvir um eu te amo que na vida aprendamos a falar mais sob esse sentimento!
ResponderExcluirTexto simplesmente maravilhoso! Delicado e forte!E como é bom falar de amor! Parabéns Bernardo 👏👏👏
ResponderExcluirEU TE AMO,Benny!!!!Sabe, ouvi um palestrista dizer que devemos nos "amar uns aos outros", mas que gostar só do que se provou....Entendeu?! Portanto eu também gosto muuuuiiiiito de você,querido!!!!Porque acabei de saborear sua alma linda!!!!!
ResponderExcluirMônica Maria
pS: Dizer eu te amo e delicioso! Ouvir,nem te conto!!!Eu não pude dizer a quem amo,há muito( um príncipe do cavalo branco)mas,ele me disse ao ouvido,num sonho,acredita,amado amigo?!
ResponderExcluirPS ao PS: Quis apagar o comentário anterior...exacerbei!Mas vou deixar...sonhar é da alma.O amar é dádiva que muitos não têm! O Bernardo tocou no àmago da minha,então... Eu te amo!!!
Excluir"Amizade dada é amor." Te amo, Bernardo!
ResponderExcluirNossa me identifiquei com várias falas do seu texto, Bê! Excelente reflexão!❤️
ResponderExcluirBeijos, Di!
Ahhhh....que coisa mais linda!! ❤️
ResponderExcluirQue texto amavel, me vi na descrição desse amor falado e demonstrado! Parabéns amei a leitura ♥️
ResponderExcluirTaís.
Oi, Bernardo! Ah, o amor e suas (in)finitas possibilidades de definição! O seu texto investiga, analisa, reflete, faz uma pesquisa interessante sobre a visão que este sentimento desperta nas pessoas que buscam entendê-lo. Tanto no pragmatismo quanto na subjetividade de cada ser humano, ele reina. Na roda viva da existência, ele ultrapassa conceitos, padronizações, clichês... Gostei muito, muito mesmo do seu texto! Precisamos falar de amor(es) hoje, sempre! Abraços!
ResponderExcluirGostei muito de ler o seu texto! Me lembrei de Cartola que dizia: Amarsem pensar é bem raro; amor é bem fácil achar;o que acho difícil é saber amar.Parabens pelo delicioso texto. Darsoni
ResponderExcluir"Amor passa por baixo de nós".
ResponderExcluirTe amo, Benny!
Pois é! Que lindeza de texto. Falar sobre amor é correto risco de cair no lugar comum, risco este que o Bernardo não corre.Éum pensador talentoso, um ser humano cuidadoso. A sabedoria flui naturalmente. Parabéns! - Silas
ResponderExcluirLindeza!!! Te amo! Viva o amor em todas as suas formas e significados!! Bjs, Cacau
ResponderExcluirQue lindo meu filho! Agora entendo o tanto de "eu te amo" que escuto. Eu te amo demais!
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