"O Futuro da Literatura", de Ana Maria Guerra Machado, Isabella Carvalho de Menezes e Bernardo Lopes

Ana Maria Guerra Machado
Cadeira 8. Patrono: Benedito Machado Homem

Isabella Carvalho de Menezes
Cadeira 1. Patrono: Aníbal Machado

Bernardo Lopes
Cadeira 17. Patrono: Júlio Ribeiro


O FUTURO DA LITERATURA


Cena teatral baseada na tradução

de Bernardo Lopes do texto

"The Future of Literature",

de Siri Hustvedt.


Apresentada no Sarau de Sabará, em 9 de maio de 2025,
no Teatro Municipal de Sabará.


(Três cadeiras. Três personagens. Um palco. Um futuro ficcional.)

VOZ 1 – A VOZ CÉTICA
O futuro é uma ficção.
(E dá um gole no café.)
Sim, isso mesmo. A gente inventa esse lugar onde tudo vai se resolver. Como se fosse uma temporada inédita da vida em que, de repente, tudo faz sentido.

VOZ 2 – A VOZ ENTUSIASTA
Ah, mas o futuro é necessário!
(Sonhadora.)
É o que nos move! A esperança, o desejo, o que a gente projeta quando olha o calendário e pensa: “Ano que vem eu começo a dieta”.

VOZ 3 – A VOZ IRÔNICA REFLEXIVA
E se o futuro parecer sombrio demais, escuro como um filme cult francês sem legenda...
(Muda o tom.)
Bem, tem gente que simplesmente... desiste da assinatura.

VOZ 1
Pra viver o agora, a gente precisa fingir que o amanhã vai dar certo. Mesmo que tudo indique o contrário. Afinal, o futuro...
(Bate os dedos na mesa.)
...ainda nem aconteceu.

VOZ 2
Mas ele é moldado pelo que já vivemos!
(Sorri com os olhos brilhando.)
Passado e futuro são irmãos siameses num carrossel emocional!

VOZ 3
Ou num trem fantasma, dependendo da sua infância.

VOZ 1
Segundo alguns cientistas — os mesmos que dizem que dormir tarde faz mal e mesmo assim estão online às 3h da manhã —, nossos cérebros evoluíram pra prever o futuro.

VOZ 2
Tipo acender a luz e esperar que... tcharam! Luz!
(Olha pra plateia com entusiasmo.)
Isso é previsibilidade, minha gente! O nome disso é conforto.

VOZ 3
O nome disso é hábito. A ilusão sofisticada de controle. Tipo acreditar que um e-mail com “boa tarde” vai mudar o destino da sua empresa.

VOZ 1
Mas... e a literatura?

VOZ 2
(Com mão no coração.)
Eu não acho que ela vai acabar. Jamais!

VOZ 3
Mas também não aposto minhas fichas.
(Aproxima-se do centro.)
Contar histórias é o que a gente faz pra dar sentido ao caos.

VOZ 1
Ou pra fingir que o caos tem sentido.

VOZ 2
Mas é claro que existem mil maneiras de contar a mesma história.
(Suspiro.)
A mágica está aí!

VOZ 3
E a mentira também.

VOZ 1
Sem memória, não tem história.
Sem passado, não tem livro.
Sem café, não tem escritor.

VOZ 2
Mas, veja bem...
(Sentando com emoção.)
A memória é caprichosa. Escorregadia. Muda de roupa e de humor como personagem de novela.

VOZ 3
Tem gente que lembra do que não viveu. Tem gente que vive o que preferia esquecer. E tem gente que jura que aquele acontecimento foi com ela...
(Silêncio.)
...mas era só uma cena de filme.

VOZ 1
Pressão social pode mudar a sua memória.
Imagina o que ela não faz com o cabelo...

VOZ 2
A verdade que a gente busca na ficção não é sobre fatos.
É emocional.

VOZ 3
Porque, quando a gente escreve, escreve pra um outro. Um leitor imaginário.
(Enigmática.)
A palavra já nasce com duas mãos: uma pra quem fala e outra pra quem ouve.

VOZ 1
Literatura é risco calculado. A gente se joga em dramas que, se fossem reais, a gente corria.

VOZ 2
Mas é justamente por isso que é seguro! É como chorar por um personagem e depois... ir jantar.
(Mexe no celular.)
Drama gourmet.

VOZ 3
Só que livros podem ser perigosos, viu?

VOZ 1
Sim. Tem gente presa — ou morta — porque escreveu.

VOZ 2
Porque a literatura assusta!
Ela cutuca.
Ela desestabiliza.
Ela...
(Olha ao redor.)
...tira o leitor da zona de conforto.

VOZ 3
Ler romances é mergulhar em vidas que não são suas.
É fazer turismo emocional sem precisar de passaporte.

VOZ 1
É pluralismo de sofá.

VOZ 2
É empatia sob medida!
(Suspira de amor.)
Meus preferidos são os que me obrigam a mudar de ponto de vista... como um espelho de parque de diversão.

VOZ 3
Ler ficção é perder-se no outro.
Mas cuidado: narcisistas malignos não conseguem.
Eles preferem espelhos a livros.

VOZ 1
No salão de espelhos, o outro é só... moldura.

VOZ 2
Já nos romances, o outro é inteiro. Sofre, ama, viaja, volta, pensa... Às vezes, tudo isso ao mesmo tempo, num parágrafo só.

VOZ 3
Essas pessoas imaginárias nos transportam.
Fazem o estrangeiro parecer vizinho.

VOZ 1
Mas vamos ser honestos: romance não resolve crise política.

VOZ 2
Mas ajuda a gente a entender por que a crise é tão... humana.

VOZ 3
Organização, resistência e discurso firme são essenciais.
Mas histórias também são.
E que sejam boas.
Com nuance.
Com incômodo.
Com camadas.

VOZ 1
Sempre vai existir alguém tocado por um livro.
Transformado por ele.
Tipo... antes do livro: uma pessoa.
Depois do livro: outra.

VOZ 2
E esse livro...
(Fecha os olhos.)
...ele vive na memória. Mesmo que deturpado, recortado, mutado.

VOZ 3
Mas vive.
Porque o que importa é o que ficou.
A emoção que permanece.
O pensamento que muda.
O jeito de olhar pro mundo... que nunca mais é o mesmo.

(Pausa. Olham para o público.)

TODAS AS VOZES JUNTAS
E esse é o futuro da literatura.

(Luz baixa. Fim.)



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Comentários

  1. Bravo! Genial! Que pena que perdi a apresentação no Sarau. 👏🏾👏🏾👏🏾

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  2. Adorei o texto! A apresentação foi fantástica!...

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  3. "A emoção que permanece".
    Vocês me emocionam sempre.
    Bravos!👏👏👏👏👏💋💋💋

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  4. Excelente! Vocês são demais… Brilharam. Parabéns!

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  5. Excelente texto! Imagino o tempo de duração desta apresentação! Já pensaram numa adaptação para um monólogo? Ou fazer um desdobramento do mesmo com mais personagens!

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  6. Muito bom!!
    Excelente e inteligente diálogo !!
    O passado é sempre um livro que pode e deve ser lido no futuro!!! As vezes este livro é escrito por várias mãos mas nem sempre a história é lida da mesma forma por todos no futuro!!

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  7. Maravilhoso! Texto, tradução, interpretação. É muito bom ser amigo e fã de pessoas tão competentes. Trio de Oito!!!

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