"O Futuro da Literatura", de Ana Maria Guerra Machado, Isabella Carvalho de Menezes e Bernardo Lopes
Ana Maria Guerra Machado
Cadeira 8. Patrono: Benedito Machado Homem
Isabella Carvalho de Menezes
Cadeira 1. Patrono: Aníbal Machado
Bernardo Lopes
Cadeira 17. Patrono: Júlio Ribeiro
O FUTURO DA LITERATURA
Cena teatral baseada na tradução
de Bernardo Lopes do texto
"The Future of Literature",
de Siri Hustvedt.
no Teatro Municipal de Sabará.
(Três cadeiras. Três personagens. Um palco. Um futuro ficcional.)
VOZ 1 – A VOZ CÉTICA
O futuro é uma ficção.
(E dá um gole no café.)
Sim, isso mesmo. A gente inventa esse lugar onde tudo vai se resolver. Como
se fosse uma temporada inédita da vida em que, de repente, tudo faz sentido.
VOZ 2 – A VOZ ENTUSIASTA
Ah, mas o futuro é necessário!
(Sonhadora.)
É o que nos move! A esperança, o desejo, o que a gente projeta quando olha
o calendário e pensa: “Ano que vem eu começo a dieta”.
VOZ 3 – A VOZ IRÔNICA REFLEXIVA
E se o futuro parecer sombrio demais, escuro como um filme cult francês sem
legenda...
(Muda o tom.)
Bem, tem gente que simplesmente... desiste da assinatura.
VOZ 1
Pra viver o agora, a gente precisa fingir que o amanhã vai dar certo. Mesmo que
tudo indique o contrário. Afinal, o futuro...
(Bate os dedos na mesa.)
...ainda nem aconteceu.
VOZ 2
Mas ele é moldado pelo que já vivemos!
(Sorri com os olhos brilhando.)
Passado e futuro são irmãos siameses num carrossel emocional!
VOZ 3
Ou num trem fantasma, dependendo da sua infância.
VOZ 1
Segundo alguns cientistas — os mesmos que dizem que dormir tarde faz mal e
mesmo assim estão online às 3h da manhã —, nossos cérebros evoluíram pra prever
o futuro.
VOZ 2
Tipo acender a luz e esperar que... tcharam! Luz!
(Olha pra plateia com entusiasmo.)
Isso é previsibilidade, minha gente! O nome disso é conforto.
VOZ 3
O nome disso é hábito. A ilusão sofisticada de controle. Tipo acreditar que um
e-mail com “boa tarde” vai mudar o destino da sua empresa.
VOZ 1
Mas... e a literatura?
VOZ 2
(Com mão no coração.)
Eu não acho que ela vai acabar. Jamais!
VOZ 3
Mas também não aposto minhas fichas.
(Aproxima-se do centro.)
Contar histórias é o que a gente faz pra dar sentido ao caos.
VOZ 1
Ou pra fingir que o caos tem sentido.
VOZ 2
Mas é claro que existem mil maneiras de contar a mesma história.
(Suspiro.)
A mágica está aí!
VOZ 3
E a mentira também.
VOZ 1
Sem memória, não tem história.
Sem passado, não tem livro.
Sem café, não tem escritor.
VOZ 2
Mas, veja bem...
(Sentando com emoção.)
A memória é caprichosa. Escorregadia. Muda de roupa e de humor como
personagem de novela.
VOZ 3
Tem gente que lembra do que não viveu. Tem gente que vive o que preferia
esquecer. E tem gente que jura que aquele acontecimento foi com ela...
(Silêncio.)
...mas era só uma cena de filme.
VOZ 1
Pressão social pode mudar a sua memória.
Imagina o que ela não faz com o cabelo...
VOZ 2
A verdade que a gente busca na ficção não é sobre fatos.
É emocional.
VOZ 3
Porque, quando a gente escreve, escreve pra um outro. Um leitor imaginário.
(Enigmática.)
A palavra já nasce com duas mãos: uma pra quem fala e outra pra quem ouve.
VOZ 1
Literatura é risco calculado. A gente se joga em dramas que, se fossem reais, a
gente corria.
VOZ 2
Mas é justamente por isso que é seguro! É como chorar por um personagem e
depois... ir jantar.
(Mexe no celular.)
Drama gourmet.
VOZ 3
Só que livros podem ser perigosos, viu?
VOZ 1
Sim. Tem gente presa — ou morta — porque escreveu.
VOZ 2
Porque a literatura assusta!
Ela cutuca.
Ela desestabiliza.
Ela...
(Olha ao redor.)
...tira o leitor da zona de conforto.
VOZ 3
Ler romances é mergulhar em vidas que não são suas.
É fazer turismo emocional sem precisar de passaporte.
VOZ 1
É pluralismo de sofá.
VOZ 2
É empatia sob medida!
(Suspira de amor.)
Meus preferidos são os que me obrigam a mudar de ponto de vista... como um
espelho de parque de diversão.
VOZ 3
Ler ficção é perder-se no outro.
Mas cuidado: narcisistas malignos não conseguem.
Eles preferem espelhos a livros.
VOZ 1
No salão de espelhos, o outro é só... moldura.
VOZ 2
Já nos romances, o outro é inteiro. Sofre, ama, viaja, volta, pensa... Às
vezes, tudo isso ao mesmo tempo, num parágrafo só.
VOZ 3
Essas pessoas imaginárias nos transportam.
Fazem o estrangeiro parecer vizinho.
VOZ 1
Mas vamos ser honestos: romance não resolve crise política.
VOZ 2
Mas ajuda a gente a entender por que a crise é tão... humana.
VOZ 3
Organização, resistência e discurso firme são essenciais.
Mas histórias também são.
E que sejam boas.
Com nuance.
Com incômodo.
Com camadas.
VOZ 1
Sempre vai existir alguém tocado por um livro.
Transformado por ele.
Tipo... antes do livro: uma pessoa.
Depois do livro: outra.
VOZ 2
E esse livro...
(Fecha os olhos.)
...ele vive na memória. Mesmo que deturpado, recortado, mutado.
VOZ 3
Mas vive.
Porque o que importa é o que ficou.
A emoção que permanece.
O pensamento que muda.
O jeito de olhar pro mundo... que nunca mais é o mesmo.
(Pausa. Olham para o público.)
TODAS AS VOZES JUNTAS
E esse é o futuro da literatura.
(Luz baixa. Fim.)
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Bravo! Genial! Que pena que perdi a apresentação no Sarau. 👏🏾👏🏾👏🏾
ResponderExcluirAdorei o texto! A apresentação foi fantástica!...
ResponderExcluir"A emoção que permanece".
ResponderExcluirVocês me emocionam sempre.
Bravos!👏👏👏👏👏💋💋💋
Excelente! Vocês são demais… Brilharam. Parabéns!
ResponderExcluirExcelente texto! Imagino o tempo de duração desta apresentação! Já pensaram numa adaptação para um monólogo? Ou fazer um desdobramento do mesmo com mais personagens!
ResponderExcluirMuito bom!!
ResponderExcluirExcelente e inteligente diálogo !!
O passado é sempre um livro que pode e deve ser lido no futuro!!! As vezes este livro é escrito por várias mãos mas nem sempre a história é lida da mesma forma por todos no futuro!!
Maravilhoso! Texto, tradução, interpretação. É muito bom ser amigo e fã de pessoas tão competentes. Trio de Oito!!!
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