CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Tudo passa", de Silas da Fonseca
TUDO PASSA
SILAS DA FONSECA
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 5. Patrono: Armando de Paula.
A gente
teima em resistir, em não entender, mas é preciso aceitar que aos setenta anos
já não se é mais um menino. Não dá mais pra enfrentar desafios próprios da
infância, como contar até três, gritar “já” e sair em desembalada correria com
os amigos, pelo quintal ou pela estrada de terra, atrás de passarinho ou só pra
ver quem ganhava. Afinal, quem chegasse por último seria a “mulher do padre”.
Mas parece que estas coisas ficam tatuadas na alma da gente e, de repente, dá
uma vontade danada de fazer isso de novo. Se a gente não “segurar o tchan”
acaba tentando e se dando mal. A coluna é a primeira a nos desaconselhar com
aquele velho sinal já conhecido de “encarquilhamento”. Ando pelo terreiro,
planto flores, plantas aromáticas, cuido de alguns animais e aves, recebo
amigos e vou preenchendo a vida. Se sou feliz? Eu penso que ser feliz é muito
mais do que isso. A ocupação faz bem, as amizades nunca são tão imprescindíveis
quanto na terceira idade, mas a gente sabe que, apesar de tudo e além de tudo,
a vida nos parece estar sempre faltando um pedaço. Eu diria, portanto, que,
depois dos setenta, há de nos contentar estar em paz. Como disse alguém, que os
setenta já não me deixam lembrar, “tudo que nos limita nos definha”. Embora
seja uma sentença pra qualquer idade, é nos da minha geração que ela finca suas
verdades, talvez por nos desaconselhar qualquer atitude de revanche, o que
poderia agravar as coisas. Por outro lado, estar vivendo depois dos setenta nos
proporciona certas e gratas sensações,
muito pouco prováveis em quem ainda não alcançou essa prateleira do
tempo.
A
fidelidade afetiva, por exemplo, é uma delas. Nesta idade somos tomados por uma
percepção de que as pessoas que continuam ao nosso lado são seres incríveis, e
que continuar contando com elas é quase um sentido de vida. Entre os cônjuges,
há mais conversas, mais passeios, mais consciência de que, cada dia mais, estar
feliz é muito mais importante do que estar coberto de razões. Nossas amizades
passam a ser a coisa mais importante de nossa vida e procuramos cuidar para
fazer de nós a coisa mais importante da vida delas também.
Outra
conquista que se faz nesta faixa etária e que nos fez muita falta durante a
nossa juventude é o autoconhecimento. Passamos a nos “lixar” para o que os
outros pensam a respeito dos nossos passeios, do que vestimos e com quem andamos.
Embora um pouco tardiamente, começamos a perceber que estarmos felizes tem uma
importância infinitamente maior do que preocupar com o que pensam a nosso
respeito. Outra consequência benfazeja deste autoconhecimento é que nos
percebemos donos de nós mesmos e, nos pertencendo, podemos nos dar por inteiro
a quem cumprir todas as difíceis provas para nos cativar.
Também
merecem destaque nesta idade a nossa preocupação com a saúde. Menos sal, menos
açúcar, menos frituras, mais legumes, mais frutas, caminhadas... Não é bem o
meu caso. Me imagino comendo frutas e legumes o ano inteiro para ter uma vida
saudável e, de repente... Pouuuu! Um carro me atropela e eu morro... Saudável
da silva. Prefiro deixar a vida me levar.
Mas não
me iludo! Não, não... Eu não sou feliz! E até ouso dizer que ninguém o é, em
idade alguma. Penso que o máximo que
podemos afirmar é que “estamos felizes”, de preferência, conscientes daquele
clássico e chato chavão da sabedoria popular: “tudo passa”.
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Realmente "estamos felizes" Silas, e ainda mais por termos alguém que escreve linda e verdadeiramente como você.
ResponderExcluirSelma
Dos tempos idos, as minudências do vivido sempre se encontram no presente. E que "presente"!
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