CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Mineiridade", texto de Zezinho Bouzas

MINEIRIDADE

JOSÉ ARCANJO DO COUTO BOUZAS
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 6. Patrono: Arthur Lobo

Em Sabará, então cidade meio decadente, a ideia foi defendida pelo eminente advogado sabarense Luiz Cassiano Martins Pereira, senador provincial, que com seu jornal “O Contemporâneo” ajudou a influenciar os responsáveis pela mudança da capital da Província, de Ouro Preto para a região da velha Sabará, onde veio a ser implantada no antigo arraial do Curral Del Rei, inicialmente com o nome de Cidade de Minas e depois Belo Horizonte, fortalecendo a economia mineradora — agora do ferro — em detrimento da economia agropastoril de São João Del Rei e Barbacena, o que era um velho sonho inconfidente. Jequitibá, entrando pelo sertão, também foi cogitada para ser a nova capital mineira.


Foi assim, em 1894, criada a nova capital de Minas Gerais, no distrito de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral Del Rei, Comarca de Sabará, inaugurada a 12 de Dezembro de 1897.


Começa uma nova etapa na formação cultural e política de Minas Gerais, surgindo uma nova ideia de cidade, urbanizada, planejada, como ocorria em outras partes do mundo e do Brasil. A nova capital deveria representar o ideal republicano dos positivistas.

   Ao mesmo tempo, no mundo, caiam por terra as monarquias, e a representação popular toma seu espaço, passando a fazer parte do cotidiano político. Ao menos na frieza de uma lei, de um papel.


Da Europa, partem as nações que querem os despojos da África e da Ásia, livres do colonialismo do “Antigo Regime”. Eles agora podem sonhar, não mais com terras a conquistar, ou escravos, mas com ouro, petróleo, minerais e novos mercados compradores.


E Minas? Continua sua trajetória? Ou será como nos versos tristes de Carlos Drummond de Andrade: “Minas não há mais”. Não haverá mesmo?


O positivismo de grandes historiadores, aqueles convencidos de que só existe História quando o fato existe, esboroa-se e fracassa diante de certas realidades históricas não factuais, típicas do espírito mineiro, que deixam na História rastro mais visível, influência mais duradoura que muitos fatos deslumbrantes. 


A rebeldia dos mineiros é notória. Encontramos nas Minas uma persistente e contínua revolta contra o poder real. A Inconfidência Mineira foi mais forte no processo da Independência do que alguns fatos acontecidos, aparentemente importantes.


“Entre os povos de que compõem as diferentes capitanias do Brasil, nenhum custam mais a sujeitar e reduzir à devida obediência e submissão de vassalos ao seu soberano, como foram os de Minas Gerais.”


Não mineira a quadra popular que retrata o nosso feitio, entre solitário e conduto.


“Minha gente vou me bem

Mineiro tá me chamando

Mineiro tem esse jeito

Chama a gente e vai andando...”


Os mineiros procuram o futuro; nem dramas nem honras pregressas os interessam muito. Basta observar o pouco apreço devotado a seus heróis, como Felipe dos Santos, Antônio Francisco Lisboa ou Joaquim José da Silva Xavier, só muito recentemente, e a custo, reverenciados com maior ênfase.


Em Minas, sempre há pedra a cruzar o caminho do mineiro, como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade: “Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”. A montanha é o inimigo a vencer, a pedra intrabalhável, o ferro indomável. “Noventa por cento de ferro nas calçadas, 80% de ferro nas almas”, como diz o poeta.


Por isso, o mineiro é ao mesmo tempo um homem do campo e da cidade, erra no linguajar, mas conserva laivos do classicismo arcaico em suas frases. Ele é fechado. Exime-se de explicações.


Mas seu temperamento não se torceu, condicionado às novas contingências. Continua o mesmo, através de gerações sucessivas que conservam e transmitem, sem solução de continuidade, de pai e filho, a mesma mentalidade que produziu e aceitou o fausto da mulata Chica da Silva, a inquebrantável fé nas forjas do Intendente Câmara e as memoráveis serenatas dos romeus caboclos, segundo nos diz Sylvio de Vasconcellos em seu livro Mineiridade:


 “Como pode o peixe vivo

 viver fora d’água fria;

 como poderei viver

 sem a tua companhia”


É um romantismo acentuado, nostálgico, que caracteriza as expressões líricas das Minas:


É a ti flor do céu que me refiro

  neste trino de amor nesta canção

  Oh vestal dos sonhos meus por que suspiro

  E sinto palpitar meu coração

Que povo é este, afinal? De onde veio, para onde vai? Que lugar é este que Hanequim houve pelo próprio sítio do Paraíso? É o peninsular que se juntou ao negro, amarrando o Brasil a seus destinos. É o chão que viu nascer Antônio Francisco Lisboa, Manoel da Costa Ataíde, Lobo de Mesquita e Valentim; e que deu as capelas mais belas que o Brasil já teve. Esse povo que se criou nos socavões das montanhas mineiras. Dos mineiros ainda se pode esperar também, e quiçá, o equilíbrio, a ponderação, a palavra de paz. 




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Comentários

  1. Fenomenal! Que aula de história, com muitas curiosidades da nossa mineiridade!

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  2. E assim... vai-se longe, sem ondas de mares... com ondulações de serras e sertões! Permita-me levar suas letras aos alunos da Faculdade de Sabará! Permita o banquete ainda hoje! Será servido no jantar de História regado a Cultura, em sala Mineira, ao som de Antropologia! Degustado por futuros Administradores e Advogados! Abraços da Prof.a. Graziela de Sempre!

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  3. Minas, berço da liberdade, terra do ouro, do ferro e do delicioso pão de queijo com café preto, sem açúcar e com afeto pra gente se encantar... Glaura

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  4. Texto muito bem elaborado e cheio de entusiasmo,Parabéns!
    Muito esperamos de vc ainda,pois capacidade sobra!

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  5. Mineiridade, mineirice, mineirismo. Afinal o que é ser mineiro? No seu texto mais um pouco do que consiste em ser. Excelente!

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  6. Ótimo texto Zezim ! Bom trabalho !
    Conhecer a história, os eventos passados, é condição indispensável para não se perder no futuro. Sobretudo neste tempos sombrios de agora, construir um futuro melhor é questão de sobrevivência !
    Parabéns pela iniciativa positiva !

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  7. Lindo texto, Zezinho!
    Aprendi mais o que é ser mineiro mineirice mineiridade.
    Povo valente.... e sem igual
    Parabéns!

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  8. Quanta riqueza em nossa mineiridade e nesse texto tão especial! Obrigada pelas palavras que nos orgulham, pai! Que venham mais escritos deliciosos como esse.

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  9. Um texto memorável, para enriquecer nossa memória em tudo que se viveu nessas terras. Bouzas, pai, sempre inspirado!!!

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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