CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Miguel Torga", artigo de Walter Taveira sobre o escritor português
WALTER GONÇALVES TAVEIRA
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 2. Patrono: Antônio Augusto de Lima
Cadeira 2. Patrono: Antônio Augusto de Lima
O ESCRITOR PORTUGUÊS MIGUEL TORGA
Adolpho Correia da Rocha nasceu em São Martinho de Anta, em 12 de agosto de 1907 e faleceu em Coimbra em 17 de janeiro de 1995. Foi sepultado em São Martinho de Anta. Era filho de Francisco Correia da Rocha e de Maria da Conceição Barros. Depois de viver algum tempo no Seminário do Lamego, trabalhou no comércio, no Porto e em 1920 imigrou para o Brasil, para Minas Gerais, onde foi trabalhar na Fazenda de Santa Cruz, produtora de café, de um tio paterno.
Sede da Fazenda de Santa Cruz, em Minas Gerais.
Inicialmente fora planejada uma permanência de cinco anos no Brasil, mas de fato ele lá permaneceu por apenas um ano, pois, esse tio lhe patrocinou os estudos na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Especializou-se em Otorrinolaringologia. Tornou-se famoso escritor e poeta sob a alcunha de Miguel Torga. Foi autor de inúmeras obras, com destaque para “Contos da Montanha” e “Novos Contos da Montanha”, em cujas obras ele louva Trás-os-Montes, sua terra natal, origem também da maior parte dos imigrantes portugueses, ancestrais de grande parte da população brasileira. Por três vezes teve seu nome indicado para o Prêmio Nobel de Literatura (1960, 1978 e 1994), mas, por razões políticas a escolha de seu nome não se materializou (período da Ditadura Salazar).
Fui alertado por uma parenta, a Sra. Margarida de Barros Taveira, residente em Lisboa, bisneta de Antônio de Barros Taveira e sobrinha bisneta de Agostinho de Barros Taveira, o velho, que o famoso escritor Miguel Torga era um parente nosso. Isto me foi confirmado pelo primo Mário Vilela Gonçalves, que vive em São Martinho, quando de sua visita à minha casa, em Belo Horizonte, em 2012, embora não tenhamos entrado em detalhes sobre as ligações do parentesco.
Hermelinda Correia de Barros Taveira Adolpho Correia da Rocha
As fotos acima evidenciam a semelhança física entre ela e Adolpho. Ambos, Hermelinda e Adolpho, faleceram de câncer.
A casa de Miguel Torga em São Martinho de Anta
(Foto do autor)
Adolpho não tinha o sobrenome Taveira e nem mesmo seus pais, mas tinha o Correia, de seu pai e sua mãe era da família Barros. Ambos os nomes foram ascendentes dos Taveiras, com grande frequência, como se pode constatar na Genealogia da família desde o Século XVIII, até o meu pai e alguns primos. O parentesco, portanto, advém dos sobrenomes Correia e Barros. Minha avó paterna chamava-se Hermelinda Correia de Barros Taveira e era, provavelmente, prima do pai e da mãe de Adolpho.
Homem simples de princípios, um tanto quanto antissocial, foi famoso como escritor, mas admirável pelo seu amor à província de Trás os Montes, que ele tanto destaca nos Contos das Montanhas e pelo sentimento de orgulho que devotava à sua pátria: “Meu partido é o mapa de Portugal”, sua resposta quando tentaram filiá-lo a um partido político socialista, após o 25 de abril de 1974. Ele nunca se filiou a partido algum.
BIOGRAFIA DE ADOLPHO CORREIA DA ROCHA
(Miguel Torga)
Nasceu em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, em 12.8.1907 e faleceu em 17.1 1995, sendo sepultado na aldeia natal. De seu nome completo Adolfo Correia da Rocha, adoptou o pseudónimo de Miguel Torga porque "eu sou quem sou”. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. “Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas”. “Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península"... Feita a 4ª classe com distinção, o pai disse-lhe: "tens de escolher... aqui não te quero. Por isso resolve: ou o seminário de Lamego ou Brasil". Daí a pouco lá ia o rapaz rumo a Lamego: "ia na frente, de fato preto, montado, a segurar o baú de roupa que levava diante de mim”. “Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas e ela de colchão e cobertores à cabeça", contará mais tarde em A Criação do Mundo. Aí esteve um ano. Chegou a ajudar à missa, durante as férias, com grande enlevo para a mãe. Mas a decisão era outra. O Brasil era a única saída. Partiu em 1920. Ficou em casa de uma tia que lhe impôs como obrigação, em todos os dias carregar o moinho, mungir as vacas que davam leite para a casa, tratar dos porcos, prender as crias das vacas, curar bicheiros e procurar pelos matagais as porcas e as reses paridas. Um ano depois estava de regresso a Portugal. O tio prontificara-se a fazer dele um médico, custeando-lhe os estudos, em Coimbra. Aos 24 anos estava formado. Especializou-se em Otorrinolaringologia. Começou por exercer clínica geral na sua aldeia. A experiência foi negativa. Instalou-se em Leiria, de que gostava. Mas por causa das tipografias, optou por voltar a Coimbra. Depois de uma vida amorosa repartida, pelos sítios, por onde passava, acabou por casar pelo civil com a professora universitária (de Coimbra), a belga André Cabrée: "vou tentar ser bom marido, cumpridor”. “Mas quero que saibas, enquanto é tempo, que em todas as circunstâncias te troco por um verso" (confessará em A Criação do Mundo, V). Entre a passagem pelo seminário e a ida para o Brasil ainda foi caixeiro num estabelecimento comercial, no Porto. Foi sempre um homem, socialmente difícil. Pouco comunicativo, falando com mais convicção do que razão. "Uma das facetas menos atraentes do carácter de M. T. é a sua forretice. Chega a comprar livros com exemplares dos seus. De Leiria a Coimbra viajava sempre em 3ª classe. Foi ao estrangeiro, por diversas vezes, percorrendo boa parte da Europa, aproveitando sempre boleia de dois amigos. Quase não oferece livros a ninguém, recusa dedicatórias e autógrafos, nunca confiou o seus livros a nenhuma editora, preferindo sempre "edições do autor", com pequena tiragem e no papel mais barato possível." (Antônio Freire, in Lendo M. T.). Na gráfica onde fazia os seus livros, ao seu amigo Pe. Valentim que lhe ajudava nas tarefas tipográficas fazia "um preço cristão". Na clínica usava sempre o mesmo ritual: uma bata branca. Só comprou televisão após o 25 de Abril para ouvir as notícias. Não tinha telefone em casa para não lhe interromperem o trabalho (José C. Vasconcelos, in JL, 6-12 de Junho de 1989). O material que "manda para a tipografia leva vários remendos colados uns sobre os outros. Chegam a ter umas sete e oito colagens. Por causa de uma vírgula é capaz de passar uma noite sem dormir". Dedicava-se à caça, algumas vezes, nos montes da sua região. Quando ali trabalhava, chegava da caça e dava consulta com a roupa com sangue que trazia dos montes. Era a mãe que lhe chamava a atenção. Com a entrada para a Universidade, em 1928, deu início à sua obra, publicando dois livros: Ansiedade (que logo esgotou). Somente voltou a ser mencionado na Antologia Poética (1981). Rampa (1930) teve um destino idêntico. Os seus adversários da época chegavam a acrescentar-lhe um T, antes do título. Ambos esses livros saíram com nome próprio. Em 1936 aparece, pela primeira vez com o seu pseudónimo em O outro livro de Job, de que faz apenas edições de 300 exemplares. Desde aí até fins de 1994 escreveu uma obra vasta e marcante, em poesia, prosa, teatro. Alguns dos seus livros, como Bichos tiveram já mais de vinte edições. Deixou 16 volumes dos seus Diários. Muitas obras suas foram traduzidas nas principais línguas de todo o mundo, incluindo em chinês. Foi muitas vezes apontado como sério candidato ao Prémio Nobel da Literatura. Ganhou o prémio Luís de Camões, no valor de 10 mil contos (1989). Chegou a ser preso pela PIDE. Algumas vezes teve vontade de sair do país: "Mas abandonar a Pátria com um saco às costas? Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irremediável numa penitenciária de valores tão entranhados na minha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar". Queriam fazer dele um socialista, quando se deu o 25 de Abril de 1974. Nunca se filiou em partido algum: o meu partido é o mapa de Portugal. Sobre a descolonização escreveria: “fomos descobrir o mundo em caravelas e regressámos dele em traineiras”. “A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. “Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade”.
Em 1996 foi fundado o Círculo Cultural Miguel Torga, com sede em S. Martinho de Anta (a sede, nova, ocupa um quarteirão quadrado, como a vi em minha última viagem a Portugal, em 2012).
Do livro “Família Taveira, História e Genealogia”,
Walter G. Taveira.
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Wagner, muito bom seu artigo! Fiquei inspirada em ler "Contos das Montanhas" e conhecer pelas palavras do Miguel Torga a província Trás os Montes...Glaura
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