"Visitantes", de Isabella Carvalho de Menezes
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 1. Patrono: Aníbal Machado
VISITANTES
Em 18 de maio comemoramos o Dia Internacional dos Museus. Em tempos de Museu do Ouro fechado à visitação, na iminência de ser restaurado (iminência no sentido de urgência), ocorreu-me evocar à memória alguns visitantes de outrora. Com esse intuito, reabri livros de assinaturas há muito arquivados, e comecei a perambular os olhos sobre o papel amarelado.
O Museu do Ouro foi inaugurado em
1946, mas, bem antes disso, ainda em fase de organização pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, já era acessado. Uma das referências
mais remotas sobre a presença de visitantes é uma nota publicada no jornal
carioca A Noite, em de 25 de setembro
de 1940, citando a visita do escritor austríaco Stefan Zweig ao “futuro Museu
do Ouro”.
A velha Casa de Fundição, no
Estado Novo em que se encontrava, participava de um esforço de redefinição da
identidade nacional. A arte colonial, ligada à ideia do fausto minerador,
despontava como grande legado cultural de Minas para a nação e para o mundo.
Soma-se ao imaginário expresso na política preservacionista do Estado o fato de
o diretor do Museu do Ouro, Sr. Antônio Joaquim de Almeida e de sua esposa, a
escritora Lúcia Machado de Almeida, serem bastante influentes entre os meios
intelectualizados da época, corroborando para atrair uma audiência numerosa,
que incluía moradores locais, estudantes, turistas e, em grande medida,
personalidades nacionais e estrangeiras, ligadas ao meio artístico e
científico.
Voltando aos livros que eu tinha
em mãos, logo me chamou atenção uma caravana que esteve no museu em 1943,
embora eu nada pudesse apurar sobre as circunstâncias da visita. Nela estavam
presentes o casal Sérgio Buarque de Holanda e Maria Amélia Alvim Buarque de
Hollanda, Vinicius de Moraes e a sua primeira esposa, Tati de Moraes, Carlos
Lacerda e Letícia Lacerda, Astrogildo Pereira, Otávio Dias Leite, Moacir
Werneck de Castro, Aurélio Buarque de Holanda, entre outros nomes. Seria uma
situação interessante se eu trabalhasse no museu naquela época e tivesse que
apresentar a exposição para essa turma. Eu precisaria me aplicar com o léxico.
Mas para discorrer sobre o ciclo do ouro ao autor de Raízes do Brasil?
O poeta Guilherme de Almeida não
tardou a visitar o museu. Pudera, era irmão do diretor. Outros modernistas da Semana
de 1922 passaram pelos seixos do casarão histórico ao longo dos anos. Entre
eles, constam a pintora Anita Malfatti, o pintor Di Cavalcanti, o poeta Oswald
de Andrade e o compositor Heitor Villa-Lobos, “operário da música” (Villa-Lobos,
1947), como fez questão de deixar registrado junto à sua assinatura.
Numa tarde azul de 1944, Lúcia
Machado de Almeida recebeu as escritoras Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa.
Ciranda de borboletas! Em 1950, novamente no museu, em função da pesquisa para
o Romanceiro da Inconfidência,
Cecília expressou no livro de visitantes: “Sabará é como o jardim do Museu do
Ouro. A poesia transborda é daqui. E os que o habitam são poetas, e convertem
os outros pobres mortais que por aqui passam. É o que eu estou sentindo...”
(Cecília Meireles, 1950).
Teria o jardim dos poetas impressionado
igualmente a outros expoentes do modernismo que o conheceram? Burle Marx, Santa
Rosa, Portinari e Athos Bulcão visitaram o museu juntos, em 17 de junho de
1945. Niemeyer veio pouco depois. Já o Guignard era assíduo e costumava
lecionar nos pátios. De fato, ao lado de uma de suas muitas assinaturas no
livro de visitantes, está a anotação: “Que sonho viver nesta casa!”. (Guignard,
1944).
Numa só página, quantas
histórias! As mais belas. Lúcia Casasanta trouxe a família, em fevereiro de
1947. Nesse mês, parou o tempo e também o vento, para saudarem a chegada de Erico
Verissimo. Em seguida, deparamos com a presença dos amigos mineiros Hélio
Pellegrino, Arthur Arcuri e Murilo Mendes.
Sartre e Simone de Beauvoir
deixaram um simpático recado no livro de visitantes, no dia 17 de setembro de
1960, “em memória de uma fascinante visita feita a Sabará e ao Museu do Ouro”. (Sartre,
1960). O casal de filósofos passou dois meses no Brasil naquele ano, a convite
do escritor Jorge Amado, para participar de palestras e conferências.
E, por lembrar a Bahia, além do
citado Jorge Amado, que visitou o museu em 1944, o conterrâneo de sua geração,
Edson Carneiro, aqui esteve em 1947 e em 1962, “com a mesma emoção da primeira
visita” (Carneiro, 1962). O sociólogo pernambucano, Gilberto Freyre, autor do
clássico Casa Grande e Senzala,
felicitou o casal Lúcia e Joaquim,
“por este museu tão diferente dos museus convencionais e no qual tanto se sente
o Brasil” (Freyre, 1959). A propósito, o também sociólogo e crítico literário,
Antônio Cândido, teria revelado: “foi ele [Antônio Joaquim] que me iniciou de
modo direto no universo da arte mineira antiga.” (Cândido, Revista do IPHAN,
1987). Eles tiveram ocasião de conhecer a coleção de arte popular do museu, que
continha objetos da cultura africana e que posteriormente foi transferida para
dar origem ao Museu Regional de Caeté.
Aníbal Machado havia se mudado
para Rio de Janeiro nos anos 1920, mas sempre que possível visitava a sua terra
natal e o museu. Costumava vir na companhia de algum amigo, por exemplo, o Cyro
dos Anjos, o Astrogildo Pereira ou o Carlos Leão. Outro sabarense, o Fernando
de Melo Vianna, se identificou no livro de assinaturas como “Senador Federal
por Minas Gerais e, com grande honra, nascido nesta terra de meu afeto e de
minha saudade.” (Melo Vianna, 1950). Na ala sabarense, destaca-se ainda um belo
poema de página inteira, com o qual a escritora Carmen de Mélo nos presenteia, fortuitamente,
no livro de assinaturas:
As arcas contam dos
teus tesouros
Os cofres falam dos
teus segredos
e as decorações dos
santos e colunas, do teu ouro
Mesas largas sobre as
quais se debruçaram os serões familiares
Bancos onde se
sentaram sonhos de noivados
E depois o guarda-sol
de seda sobre o Rei, no Reizado...
Oh! Sô David!
Que saudade se tem de
Vossa Africana Majestade!
“ – Matangira!
Matangira!
Ô Lelê!
Ô Tucanjuê”
Esses africanismos...
eis a linguagem negra da saudade! [...]
(Sabará – Cidade
Monumento, Carmen de Mélo, 1946).
Outros tantos versos, desenhos,
saudações, relatos de impressões de visita em geral, em diferentes idiomas,
preenchem os livros de assinaturas das duas primeiras décadas de funcionamento
do museu. Vou fechando os documentos por ora, com a certeza de que se
constituem em importantes registros de época a serem pesquisados e
interpretados. E com a satisfação de que os comentários do público continuarão
a ser recolhidos.
Referências:
CÂNDIDO, Antônio. Patrimônio interior. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, Ed.22, pp. 40-41, 1987.
Museu do Ouro: livro de assinaturas de visitantes. Sabará,
1943-1963. Manuscrito.
“Stefan Zweg, cidadão
britânico”. Jornal A noite, Rio de
Janeiro, 25 de setembro de 1940. Ed. 10283. pp. 1-2.
~
Querido leitor, assine seus comentários!
Que maravilhosa viagem em assinaturas e textos! Surpresa e conhecimento pra todos. Obrigad, Bella !
ResponderExcluirSelma
Sensacional, prazeroso de se ler!
ResponderExcluirMuita bacana Isabella! Quanta gente ilustre recuperada numa pesquisa meticulosa e numa escrita envolvente. Parabéns.
ResponderExcluirMuita bacana Isabella! Quanta gente ilustre recuperada numa pesquisa meticulosa e numa escrita envolvente. Parabéns!
ResponderExcluirAh gostaria de ter estado com estes visitantes no Museu! Que maravilha que deve ter sido!
ResponderExcluirParabéns pelo dia Internacional dos museus.Que registro interessante da memória histórica de Sabará onde tantas personalidades notáveis e de grandes capacidades intelectuais visitaram o museu do ouro.Sua pesquisa foi relevante. Gratidão pelo empenho e dedicação.
ResponderExcluirQue estudo delicioso! Leitura agradável! Misto de pesquisa meticulosa, dedicação e desempenho da nossa brilhante historiadora, Isabella!!!
ResponderExcluirHá em seu texto um quê de História e Literatura... Parabéns,querida!
Mônica Granja.
Parabens pela belissima dissertaçao sobre todos esses intrigantes anos do Museu do Ouro.
ResponderExcluirQue bom ler este texto! Cada visitante pisando nos mesmos seixos que eu também tantas vezes pisei e tantas vezes me encantei! Que inspiração para que outros venham!...
ResponderExcluirParabéns Isabela!
ResponderExcluirLindo trabalho!
Adorei o texto e saber que tantos ilustres estiveram visitando o Museu da nossa querida cidade.
Isabela. Muito interessante seus comentários sobre esses ilustres visitantes, que deixaram assinaturas e comentários sobre nosso importante Museu.
ResponderExcluirQue lindeza Isabela. Obrigada por compartilhar conosco tanta riqueza!!! Amei, não sabia de tamanha importância das celebridades que já passaram por aqui!!! Bjs.Cacau
ResponderExcluirParabéns Bella querida por ter me dado a oportunidade de saber e conhecer um pouco mais da nossa história. Obrigada pelo carinho ❤️. Não sabia que o museu de Sabara fora visitado por tanta gente querida e importante .
ResponderExcluirParabéns pelo brilhante trabalho, você arrasa!
ResponderExcluirQuanto prazeroso foi deleitar dessas visitas ilustres!. Saudades transpor esse portal centenário, de pisar nesse adro de pedras redondas, que massageam tanto as solas dos pés, como nosso orgulho sabarense! Parabéns Isabella e obrigado por compartilhar esse lindo registro cultural.
ResponderExcluirGrande abraço.
Geraldo Jurema
Maravilha, Bella! Foi mágico ter acompanhado, junto aos visitantes, os espaços das memórias de tantas pessoas importantes para nossa história. Quanta potência esse lugar abriga, o do Museu e o da sua escrita.
ResponderExcluirAo tomar o livro de visitantes do Museu do Ouro do seu nascedouro na década de 1940 até a de 1960, Isabella escreve um belo texto em que entrelaça olhares sensíveis : o seu e o dos visitantes singulares da cultura. Parabéns Isabella !!!!
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