CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Um olhar sobre a Pampulha", texto de José Arcanjo do Couto Bouzas

 UM OLHAR SOBRE A PAMPULHA

JOSÉ ARCANJO DO COUTO BOUZAS

Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 6. Patrono: Arthur Lobo

 

 Quando avistamos a Pampulha, nosso olhar se volta para o reflexo, no grande lago, da vegetação e de seus jardins, no pequeno e charmoso aeroporto, nas modernas construções residenciais. Para uns, o olhar se dirige para a singela capela, construída por Niemeyer em linhas sinuosas e leves, com azulejos pintados pelo irrequieto Portinari, tão chocantes para os conservadores da época que levou o bispo, Dom Cabral, a proibir por muitos anos qualquer manifestação religiosa no templo.  Mas o olhar também se volta para o Museu de Arte, antigo Cassino, com o emocionante jardim projetado por Burle Marx, tudo lembrando a relação com a História e sua presença na vida cultural de Belo Horizonte, dentro do universo modernista da Pampulha de JK e de seu arquiteto preferido, Oscar Niemeyer.

Em 1928, o arquiteto Flávio de Carvalho apresentou um projeto de construção da Reitoria da UMG, hoje UFMG, que foi recusado, tendo em vista a modernidade de sua forma arquitetônica, insolente para a época. Carlos Drummond de Andrade defendeu o projeto, e, com ele, Rodrigo Mello Franco, Anísio Teixeira, Abgar Renault, Mário de Andrade, o sabarense Aníbal Machado e o Ministro da Educação Gustavo Capanema, todos abertos à mudanças, como Juscelino. Minas perde a oportunidade de ser o primeiro cliente institucional da arte moderna, para o citado Ministério.

Lúcio Costa é convidado para executar o projeto do MEC - Ministério da Educação e Cultura, e com ele estava o jovem Niemeyer, que viria dar forma aos sonhos de Modernidade de JK. O ilustre médico, filho de Diamantina, o Nonô de D. Júlia, assume a Prefeitura de Belo Horizonte, em 1940, preparando a cidade para que ela se tornasse um espaço social moderno e ativo.

BH torna-se, assim, o lugar de formação de uma consciência revolucionária.

Juscelino, que desejava uma realidade mais humana na capital de Minas, dizia: “Um prefeito não deve pensar tão somente em coisas práticas. A beleza sob todas as formas precisa fazer parte de suas cogitações. Numa cidade vivem massas humanas que sentem que são capazes de emoções e que, portanto, não prescindem de estimulantes espirituais”.

É nesse sentido que o projeto arquitetônico da Pampulha tornou-se um elemento de revolução, do projeto de Kubitschek. Se “a beleza sob todas as formas” precisava fazer parte das cogitações diárias de um prefeito, fica evidente, naquele enunciado, que a arte deverá então — enquanto criação subjacente da pessoa humana — retornar à vida do cotidiano da cidade e se tornar um elemento mediador entre o homem e o mundo.

"A arquitetura que entendemos por moderna nem sempre era considerada obra de arte, porque seria destituída de uma intenção plástica. Foi verdadeiramente na Pampulha que Oscar Niemeyer Soares Filho, nascido em 1907 no Rio e formado em 1934 pela Escola Nacional de Belas Artes, se realizou como arquiteto. Foi na Pampulha que ele mostrou, pela primeira vez, a possibilidade de moldar artisticamente o concreto armado. É nesse sentido que o próprio edifício do Museu de Arte Moderna é uma obra de arte, enquanto objeto histórico da arquitetura modernista brasileira. Curvas com certa volúpia vão delimitando espaços próximos daquele do barroco de Aleijadinho, conseguindo o rompimento da tradição das paredes retas, vãos maiores e as equações das curvas..." (Lemos, 1983)

Entretanto, o Museu de Arte da Pampulha não é um edifício isolado, sua leitura não se faz em separado do todo. Na paisagem do conjunto Arquitetônico da Pampulha, interagem-se o Museu, a Casa do Baile, o Iate Club, a Igrejinha de São Francisco, todos se refletindo sobre as águas do lago.

Com a construção da Pampulha, vieram para Minas artistas, arquitetos e críticos de arte, para participarem do projeto de Kubitschek. Assim, a cidade ganhou o convívio da presença de artistas modernos, revolucionários como Niemeyer, Portinari, Burle Marx, Ceschiatti, Santa Rosa, Alcides da Rocha Miranda, e outros. E a arte se transformou, na sociedade local, em um dos poderosos agentes de mudança. A construção do conjunto arquitetônico da Pampulha tornou-se o paradigma crítico, não só de um novo modo de arquitetura, mas de uma visão nova do mundo.

Ivone Luiza Vieira, em cujo texto de dissertação de Mestrado me inspirei para escrever este artigo, nos informa que José Lins do Rego, quando viu a Pampulha pela primeira vez em sua visita a Belo Horizonte, a convite de Kubitschek, em maio 1944, assim se expressou:

“E a Pampulha, o que é afinal? É uma revolução vitoriosa. Ao bom estilo inglês, sem guilhotina, sem muro de fuzilamento, sem forca. Há um arquiteto, um rapaz pequeno, de olhar terno, de gestos contidos que realiza essa revolução arquitetônica: Niemeyer, que tem uma inteligência de diabo vivo! E há Kubitschek, o prefeito de Belo Horizonte. Houve quem dissesse que tremeria a pedra sabão, que viriam abaixo os monumentos do barroco. A pedra sabão e os monumentos continuam onde estão, grandes e belos, e a Pampulha existe em pleno esplendor de sua grandeza. À noite aquilo parece das mil e uma noites. As águas se tingem de luzes misteriosas. De dia é aquela maravilha de simplicidade, tudo feito e realizado em relação com o homem. Niemeyer agiu com toda a liberdade, com esta liberdade que é criadora de arte.”





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Comentários

  1. Bem instrutiva a exposição. Parabéns Sr. José Bouzas e obrigado.

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  2. Parabéns, grande Professor José Bouzas.
    Sempre é bom ter conhecimento.

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  3. Muito bom o texto...
    Pampulha, "a beleza sob todas as formas" junto a natureza...
    Abraço, Zezinho!
    Glaura

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  4. Ótimo artigo, parabéns Zezinho! 👍👍
    Selma

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  5. Como é bom aprender,não?! Adoro o equilíbrio entre Natureza e Arte tão bem traduzida na Pampulha,Bouzas! Parabéns seu texto foi uma verdadeira aula, mais me encantar eu,então! Abraços!

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  6. traduzido/Parabéns!/encantarei* (quase apago e reescrevo,amigos...esse corretor abestado faz cada uma!!!!!Rsrsrsrs! Mônica Granja

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