CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Pescando com meu companheiro e mestre-mor", Walter G. Taveira

 PESCANDO COM MEU COMPANHEIRO E MESTRE-MOR 

WALTER GONÇALVES TAVEIRA

Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 2. Patrono: Antônio Augusto de Lima

 

Há cenários da infância que devem ter sido programados pelo Anjo da Guarda para serem lembrados em momentos de infortúnio. Permanecem na memória, à nossa disposição, como elixir de reserva que suaviza dissabores, um medicamento que dispensa prescrições, que não tem custo, que não tem contra indicações e que pode ser usado em qualquer hora, que só precisa ser lembrado de que existe.

E como é bom revivê-los, representam momentos de extrema felicidade em nossas vidas. Meus pais e avós foram os principais protagonistas desses cenários em minha infância. E, de meu pai, lembro-me sempre de como era bom pescar com ele. Pescávamos no Rio das Velhas, na maioria das vezes no arraial de Santa Rita, em Nova Lima, onde tínhamos um sítio na margem do rio. Vez por outra pescávamos também na região do Galo, entre Nova Lima e Raposos. O trenzinho da Morro Velho parava para que pudéssemos dele apear, na altura de nossos pesqueiros no Rio das Velhas. Não tínhamos barco, pescávamos de barranco. O rio tinha água limpa na maior parte do ano. Foi nele que aprendi a nadar. A foto abaixo, de 1948, mostra meu pai e eu, em nosso sítio, na margem do Rio das Velhas, onde costumávamos pescar, nas décadas de 1940/1950. No rio veem-se pilares de uma antiga ponte, provavelmente do século XIX, e água limpa.


Naquela época nossos apetrechos de pesca eram muito simples. Varas de bambu, linhas de algodão (fieira) de espessuras variadas, chumbada e anzol. Papai ensinou-me como armar uma vara, desde a sua escolha, passando pela definição da espessura da linha, do tamanho do anzol e da chumbada. Todos esses itens tinham que guardar proporcionalidade entre si e o conjunto era pré-definido segundo o tamanho do peixe ao qual se destinavam. O passo seguinte foi aprender a fazer o lançamento. Além disto, ele ensinou-me a enrolar a linha na vara e atá-la para guardar o conjunto após a pesca. Ressalve-se que o aprendizado não ocorria numa única lição. A cada nova pescaria tínhamos muitas rememorações.

Cortávamos um galho em “Y” de madeira forte, que chamávamos de cambão, para nele pendurarmos os peixes menores que íamos pescando, e o mantínhamos na água para evitar o ressecamento dos peixes. O mais excitante, no entanto, eram as lições sobre como agir a partir do momento em que o peixe começava a beliscar a isca. E para certos peixes tínhamos procedimentos diferenciados.

A variedade de peixes do Rio das Velhas era mais ou menos uniforme em toda a sua extensão. O Surubi, um peixe de couro de aguas profundas, era o de maior peso. Tínhamos notícias de diversos exemplares que superaram os 60 kg no trecho de Santa Rita. Nunca tivemos a sorte de pescar um tão grande. Nossos maiores chegaram próximo dos 20 kg. O Surubi é em minha opinião o melhor peixe para comer.

O segundo maior era o Dourado, o mais belo e valente peixe do Rio das Velhas. O Dourado exige muita perícia do pescador. É um peixe de incrível mobilidade, difícil de ser fisgado, pois sua boca é de cartilagem dura, e a ponta do anzol não atravessa a cartilagem. O ponto de encontro dos maxilares superior e inferior forma uma espécie de cruzeta e, se o peixe for fisgado por ali, então será tranquilo tirá-lo do rio. Mas só saberemos se a fisgada ocorreu dessa forma quanto trouxermos o peixe. Caso contrário, o que acontece na maioria das vezes é o peixe se soltar do anzol e ir embora, porque o Dourado salta e vibra o tempo todo. Para evitar os saltos deve-se manter a ponta da vara na água. Sem carretilha, ou molinete, e sem barco, nossas dificuldades para fisgar e trazer um Dourado eram imensas. O dourado é um peixe de escamas, de cor dourado-avermelhada, que atinge em torno de 25/30 kg., no máximo.

Nas vizinhanças de nosso sítio o rio era bem largo e reto e o eixo da corrente situava-se no meio do rio. O Dourado é um peixe de correnteza, e meu pai sabia disto. Sempre sonhando em pescar um Dourado, ele armou, certa vez, uma enorme vara de pescar de bambu, emendando duas muito grandes, atadas com arame, de tal forma que a ponta da vara atingia o meio do rio. Nesse dia fomos pescar numa praia que ficava ao lado de nosso sítio. Fixou a vara no solo de areia, apoiada numa camada de tijolos uns três metros à frente, e finalmente lançou a linha com a mão para além da correnteza. Em pouco tempo a linha estava centrada na correnteza, perpendicular à ponta da vara. Após uma meia hora vimos a ponta da vara envergar diversas vezes. Meu pai levantou a vara, mantendo-a apoiada no solo, e deu um puxão para fisgar o peixe. Vimos o peixe saltar numa altura de uns dois metros, com o corpo todo fora d’água, um enorme dourado, avermelhado, mas naquele momento ele soltou do anzol. Todos nós que ali estávamos lamentamos a perda, mas meu pai, um tanto filósofo, vangloriava-se de ter acertado a forma e o local de encontrar o peixão. Estava radiante e realizado.

Tínhamos ainda uma gama de peixes menores, como o Bagre, o Mandi, peixes de couro, a Piranha, o Barbadinho, a Matrinchã, o Piau, a Piabana, a Piaba, de escamas e outros. Era costume de alguns pescadores fazer uso de uma espécie de alçapão, conhecido pelo nome de “jequi”, para pescar Mandis e Bagres. Dentre os peixes menores o Mandi era o preferido e podia pesar até quase 3 kg. Meu pai contava que antes de se casar saiu num final de semana com seus amigos para pescar no Galo. Lá cada um procurou seu próprio pesqueiro. Meu pai lançou a linha e a corrente a levou para a margem. Ao puxá-la ela arrastou um grande jequi que continha seis mandis. Não tinha ainda meia hora de pescaria. Removeu os peixes, enfiou-lhes um cambão pelas guelras e recolocou o jequi onde estava antes. Em seguida procurou seus colegas dizendo-lhes que com meia hora de ação já tinha preenchido sua cota e que iria embora.

Assim era meu pai, inteligente, criativo, de muita iniciativa, brincalhão e sempre rodeado de amigos. Entre seus amigos alguns eram bem idosos e podiam ser pais dele. Durante toda a minha vida eu nunca fui a uma pescaria sem que ele estivesse presente em minha memória todo o tempo. Continuou sendo meu companheiro favorito mesmo depois de sua morte prematura, aos 61 anos de idade.




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Comentários

  1. Memórias que nos confortam, bálsamo para a alma. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Selma

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  2. O padrão é excelente e valorizou muito o meu trabalho. Muito obrigado!

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