CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Maternar", ensaio de Cláudia Guimarães Costa

MATERNAR

CLÁUDIA GUIMARÃES COSTA
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 13. Patrono: Hélio Costa

Há tempos tenho tentado decidir sobre o que escrever. Tentei me ouvir, intimamente, para deixar fluir o que abordar. Vários temas pulsavam em mim, como a memória resgatada, trazendo uma nostalgia que foi despertada por uma foto (LINDA!) de D. Maria Laura do Couto Guimarães (D. Lalá), minha avó, me abençoando da janela de sua casa, que ficava em uma rua tão bonita de Sabará que muito bem representa a nossa cidade. Essa benção faz brotar em mim o sentimento de maternidade, no sentido do cuidado: o Maternar. Percebo que ele está diariamente em mim, não só com relação ao fato de ser mãe, mas no cuidado com tudo, com os meus pais, meu esposo, meus alunos, as pessoas, os animais, as plantas e o Meio Ambiente, pelo qual precisamos zelar. Esse assunto, que muito me aflige, me tira o sono e me leva a refletir e questionar: o que fazer? Quais alternativas temos para ajudar, visto o descaso e descuido com a Natureza? Os incêndios que assolam a região do Pantanal, a destruição da Amazônia, o desmatamento do Cerrado e da Mata Atlântica. Tantas são as atrocidades que essa questão floresceu em mim! Brotou hoje, dia do equinócio, dia que marca o início de um novo ciclo, a Primavera, que chega junto com as chuvas, preparando o solo, alterando o clima, como uma oferta, um convite ao renascimento, ao surgimento das flores que, posteriormente, se tornarão frutos. Maternar! Aqui se dá início à Primavera, para mim a estação mais linda, a época das flores, das cores e do amor! Sim, muitas espécies iniciam o período reprodutivo agora, estimuladas pelos dias mais longos, maior oferta de luz e mais recursos disponíveis, o que as permitem estar preparadas para alto custo energético que a gestação demanda. Maternar!

Refletindo, percebi que toda essa mistura de sentimentos que brotam em mim estão intrinsecamente conectados e relacionados.

Os cuidados do Maternar são aprendidos, e utilizo minhas experiências pessoais e as da Natureza. No meio natural, as fêmeas jovens geralmente observam e auxiliam as maduras nos cuidados com a prole. O aprendizado desse processo pode aumentar as chances de sucesso para quando o momento das mais jovens chegar, no seu tempo, na sua hora. Assim, imediatamente me vem a imagem da foto na janela! A minha avó, que na minha memória representa a garantia de sobrevivência da prole, com amor, cuidado e dedicação.  

Eu tive algumas oportunidades ao longo da minha vida de observar este evento na Natureza e a benção de viver isso. Maternar! Cuidar! Quando esse momento chega, a vida de uma mulher, ou de uma fêmea, se transforma completamente. Quando nasce um fruto, quando nasce uma criança, nasce também uma mãe, que, apesar das inseguranças geradas pelo momento, segue o cuidado por instinto e por amor, assim como na Natureza. As fêmeas e seus filhotes sabem instintivamente o que fazer, a mãe garantindo a sobrevivência dos filhos, e estes descobrindo como sobreviver. Nada, absolutamente nada disso acontece por acaso, ou de forma desconectada. A nossa Natureza interior nos orienta, nos guia, assim como todas as formas de vida que vivem na Natureza, perpetuando as espécies.

Entendo como sinônimos de Maternar o cuidado, amor, carinho e afeto, sentimentos que gritam em mim nessa relação de mãe e filha, filha para com minha mãe, neta para minha avó (a benção). Um elo eterno, um aprendizado de vidas, de erros e acertos, que se repete em todas as suas formas.

Esse instinto também me brota, faz florescer e grita pela Natureza. Carregando e entendendo esse sentimento e significado de Maternar, não consigo me desconectar dos animais e das plantas que ardem e padecem com nosso descaso, indiferença e individualismo, embora saibamos que, sem eles, não somos nada, não somos autossuficientes. 

Nosso país, de dimensões continentais, abriga uma diversidade de formas de vida não vista em qualquer outro lugar do planeta. Diversidade de vida que é resultado de um processo de milhões de anos de evolução, aliado às condições climáticas e geológicas aqui presentes, muitas vezes únicas, que, se perdidas, talvez não possam retornar daqui a outros milhões de anos. Assim como eu e você. Um dos fatores que contribuem e permitem a presença desta riqueza biológica é a existência da maior floresta tropical do planeta, a nossa Floresta Amazônica, que funciona como uma bomba de água. Água essa que evapora dos oceanos, trazendo a umidade para o continente, quando se transforma em chuva. Chuva que é água, água que é Maternar!

A transpiração das plantas, diversas delas, devolve a água da chuva para a atmosfera em forma de vapor, um processo cíclico e contínuo, sendo que a floresta em pé torna o ar que respiramos mais úmido, mais limpo. Esse vapor é empurrado e guiado pelos ventos, sendo parte transformada em chuva, que molha a terra, prepara o solo e cuida da prole. Outra parte se choca com uma grande barreira física, a Cordilheira dos Andes, e alimenta as cabeceiras dos rios Amazônicos. Água, vida, Maternar. Devido à imensidão e dimensões desse grande bloco verde, boa parte desse vapor d’água é guiado aos países vizinhos e diversos outros Estados brasileiros, transformando-se em chuva que irá molhar a terra. Este, um evento conhecido na ciência com o singelo nome de “rios voadores”, responsável pela manutenção dos sistemas de irrigação, alimentando os rios, financiando gratuitamente boa parte da economia brasileira. Um dos maiores “serviços ambientais” prestados pela Floresta Amazônica. Equivocadamente conhecida como o pulmão do mundo, enquanto na realidade pode ser considerada a grande caixa d’água, e de vida, da América do Sul. Uma única árvore amazônica, com 20 metros de diâmetro de copa é capaz de transpirar mais de mil litros de água por dia. Maternar!

As queimadas, além de outras atividades que impactam hoje nas nossas florestas, afetam diretamente o clima do continente Sul Americano. Essas alterações influenciam negativamente e mudam o ciclo de chuvas, afetando o clima no mundo, reduzindo a produção de alimentos, dificultando o cuidado e a garantia de sobrevivência da prole, o que gera em mim um sentimento de perda, de não Maternar! É provável que já tenhamos atingido uma condição irreversível de recuperação, devido à rapidez com que a floresta vem sendo destruída.

Outra região com características únicas no país, o Pantanal, que corresponde à maior área alagada do planeta e abriga uma imensa variedade de formas de vida, também arde. O fogo que consome a região é um caso grave e de descaso ambiental, de forma que os efeitos negativos são inúmeros, e serão percebidos em curto e longo prazo. São perdas imensuráveis, de espécies com linhagens evolutivas e genéticas únicas. Assim como perder a mim e você.

É imprescindível que entendamos a importância das áreas naturais, não apenas pela Natureza, que provavelmente se adaptará e retornará diferente daqui a milhões de anos, mas também por nós, humanos, que não somos capazes de sobreviver na sua ausência. Vivemos num só planeta, respiramos o mesmo ar, bebemos da mesma água e comemos os alimentos que a terra produz. Nossas relações com o meio natural formam uma rede de interdependência.

O nosso aprendizado relacionado ao cuidado, ao Maternar, deve ser inspirado e ter como exemplo a relação harmônica da Natureza. Cuidemos de nós, cuidemos dos nossos, cuidemos do nosso planeta. Cuidado, afeto, carinho e inteligência. Fazemos parte do todo e, para vivermos dignamente, temos que começar a agir imediatamente! Eu comecei, e você?

Foto: Lilian Afonso

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Comentários

  1. Maternar! Ser mãe! Cuidar! Amar! Preservar!Como você conseguiu,linda Cacau, unir todo o seu conhecimento a todo o seu sentimento de amor!!!! Parabéns!!!! Sua vovó Lala,deve estar orgulhosa ,assim como seu tio,que eternizou o instante da benção,em sentimento e prosa!!!! Parabéns!!! Bjos!!!! Mônica Maria

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  2. Obrigada Mônica querida!!! Beijos. Cacau

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  3. Minha querida e amada sobrinha Cacau! Você não só me encheu de orgulho, mas também encheu meus olhos de lágrimas de pura emoção ao citar a foto de sua avó (minha mãe) foto essa que também me inspirou o conto "Mistura Fina". Podemos afirmar que a matriarca da família "Couto Guimarães" vem nos acompanhando e abencoando de perto nossas jornadas! Parabéns querida.
    Te Amo!!!
    Seu tio e fã Geraldo Jurema Guimarães

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  4. Lindo, Cacau. O Maternar é cíclico, é hereditário e não podemos perder jamais.

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  5. Maternar com todos e com tudo. Isso é vida. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Selma

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