CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Confissões de um travesseiro", conto de Flávia Márcia do Carmo

CONFISSÕES DE UM TRAVESSEIRO

FLÁVIA MÁRCIA DO CARMO
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará

Cadeira 26. Patrono: Waldemar Gomes Batista

E lá vem mais uma noite em que aquela cabeça, ao repousar sobre mim, me conta algo ou apenas me transmite por "osmose". São décadas de convivência e ela mal sabe que a conheço profundamente. Há noites que apenas repousa sem dizer nada e logo pega no sono, outras em que encosta a cabeça e fica madrugada afora a pensar, há outras ainda em que repousa e chora horas a fio, e ainda outras em que fala sozinha por horas… Poucas vezes a vejo agradecer por algo. Maioria das vezes pede a Deus que mude alguma situação, que lhe dê sabedoria para resolver algum problema. Trava uma batalha consigo mesma sobre alguma situação que passou durante o dia. Reflete por horas uma decisão que teve que tomar ou que ainda terá de fazer. Em algumas situações, sou regado por lágrimas, enquanto soluços e indagações se misturam. É comum que nesses dias eu ganhe até abraços apertados; imagino que está a pensar em um amor não correspondido. Houve dias em que levei até socos, o acontecido durante o dia a deixou irada. Em contrapartida, vez ou outra, ganho um cafuné e até uns beijos. Vida de travesseiro não é fácil não, somos divãs, consoladores, psicólogos, amigos, e temos que ser fiéis. Ouvimos e não contamos a ninguém. Me comparo mesmo a um confessionário, sem que possa aconselhar. Mesmo assim, me arrisco em indicar um conselheiro, que é o tempo, que se encarrega de colocar tudo em seu devido lugar no momento oportuno. Ah! Se os travesseiros falassem!...

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