Apresentação GRUPO DE LEITURA MACHADO DE ASSIS: "IAIÁ GARCIA"
Material de apresentação do
GRUPO DE LEITURA MACHADO DE ASSIS
da ACADEMIA DE CIÊNCIAS E LETRAS DE SABARÁ
LEITURA COLETIVA
Iaiá Garcia
Mediação: Bernardo Lopes
Realização:
Academia de Ciências e Letras de Sabará
Apoio:
D’Ouro
Center e Museu do Ouro de Sabará
Seja
bem-vindo à
leitura coletiva do romance Iaiá Garcia, de Machado de Assis!
Machado
de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908, no
Rio de Janeiro. Seu quarto romance, Iaiá Garcia, foi publicado em 1878.
Cronograma:
Exceto
pelo dia 24/04, quando serão feitas as apresentações e orientações a nosso
grupo, os capítulos, pré-determinados por data, deverão ser lidos antes
dos encontros referentes a eles; as reuniões serão focadas no debate e análise
dos capítulos.
DATA |
PROGRAMAÇÃO |
24/04 |
Apresentações
e orientações para a leitura de Iaiá Garcia; leituras prévias. |
01/05 |
Recesso.
Não teremos encontro. |
08/05 |
Debate
sobre capítulos I, II, III e IV. |
15/05 |
Debate
sobre capítulos V, VI e VII. |
22/05 |
Debate
sobre capítulos VIII, IX, X e XI. |
29/05 |
Debate
sobre capítulos XII, XIII e XIV. |
05/06 |
Debate
sobre capítulos XV, XVI e XVII & encerramento. |
Horário: 19h (duração de aproximadamente 2h)
Local: D’Ouro Center, Rua São Francisco, 345, Centro, Sabará, MG.
Atenção:
Não
haverá encontro no dia 01/05, devido ao feriado.
Edições e links on-line:
Quaisquer
edições físicas do romance Iaiá Garcia serão aceitas, mesmo as mais
antigas, anteriores às novas regras ortográficas da Língua Portuguesa.
Iaiá
Garcia já
está em domínio público, como toda a obra de Machado, e pode ser encontrado
facilmente na Internet para download ou para leitura on-line.
Sites sugeridos:
·
http://www.dominiopublico.gov.br
·
https://www.baixelivros.com.br
Material complementar:
A
Academia de Ciências e Letras de Sabará disponibilizará, gratuitamente, por
WhatsApp ou e-mail, uma pequena bibliografia complementar, que pode tornar a
leitura do romance ainda mais clara e profunda.
Apesar
de sua relevância, a leitura desse material complementar não é obrigatória,
já que, durante os encontros, focaremos nos aspectos do livro Iaiá Garcia em
si. A leitura do romance deve ser priorizada, sendo ele o tema central de
nossos debates.
Para
antes ou durante a leitura do romance: (clique para ler on-line e/ou baixar)
·
“Contextualizando Machado de Assis” (PDF, 22 páginas);
·
Mapa do microcosmos machadiano (IMAGEM, 1 página);
Para
leitura posterior ao romance: (clique para ler on-line e/ou baixar)
·
“O laço fecundo: o romance de Iaiá Garcia de Machado de Assis e o Realismo” –
Monografia de Graduação de Maria de Fátima dos Santos Vitório Daniel,
apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). (38 páginas,
2019)
·
“Narrador, ambivalência e ironia em Iaiá Garcia, de Machado de Assis” – Dissertação de
Mestrado de Raquel Andrade Machado, apresentada na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). (87 páginas, 2017)
Aproveite a leitura de Iaiá Garcia!
Acompanhe a Academia de
Ciências e Letras de Sabará em seu blog e Instagram:
https://academiasabara.blogspot.com/
Acompanhe Bernardo Lopes
em seu site e Instagram:
— Bernardo Lopes, abril, 2025.
DE MACHADO EM MACHADO, NOSSO
MUNDO MUDA
Bernardo Lopes[1]
Publicado originalmente como folhetim entre
janeiro e março de 1878 no jornal O Cruzeiro, Iaiá Garcia, de Machado de
Assis, foi lançado em livro no mesmo ano. A trama começa com o viúvo Luiz
Garcia recebendo uma carta: em tom urgente, uma amiga solicita sua presença, à
espera de conselhos ou, quem sabe, de um favor. A vida tranquila e reservada
deste homem, que vive com a filha Lina e um fiel empregado, está para ser
sugada numa espiral de coisas não ditas e de movimentos escusos — que ele, por
incrível que pareça, pode ser que nem sequer perceba. O ano é 1866. A amiga de
Luiz, Valéria, quer que ele a ajude a convencer o filho dela, Jorge, a ir para
a Guerra do Paraguai (naquela época, em pleno andamento desde 1864, e só vindo
a terminar em 1870). Não é que Valéria nutra a ambição ou o sonho de ver o
filho como “herói” nacional: a verdade é que ela prefere mandá-lo para a guerra
a permitir que o jovem se relacione com uma certa moça pobre e sem lustro
social, Estela, por quem Jorge está apaixonado. Os dilemas emocionais, morais e
sociais que nos são apresentados nos primeiros capítulos deste quarto romance
de Machado de Assis se desenrolarão ao longo da história, na qual o autor brinca,
como um mestre de xadrez, com os personagens, suas aparições, recuos e avanços
na trama. É um mestre brilhante e exímio na arte de narrar.
Iaiá Garcia é o último romance da chamada
“primeira fase” de Machado — e considerado pela crítica como o melhor, entre os
trabalhos “românticos” dele. Toda a obra do escritor carioca, nascido em 1839 e
morto em 1908, é vista, em teoria, como “divisível” em dois “momentos”
diferentes: a primeira fase, mais romântica, e a segunda, mais realista. Alguns
críticos e leitores não concordam totalmente com esse conceito, preferindo ver
a obra machadiana como um continuum, ou seja, algo que muda de caráter apenas
gradualmente ou em estágios, sem pontos de divisão claros ou determinados. Mas
até mesmo Machado acabava por se referir a seus trabalhos como partes dessas
duas “categorias”, chegando a tratá-los assim nas Advertências que abrem alguns
de seus livros.
O primeiro romance do escritor é Ressurreição, de 1872,
lançado quando o autor tinha 33 anos. É um romance breve e bastante direto — “o
esboço de uma situação”, Machado nos adverte na abertura do livro —, com poucos
personagens e a ênfase no contraste entre os caráteres e padrões emocionais e
comportamentais dos dois principais. Há ali o que parece ser uma sementinha do
que mais tarde viria a ser Dom Casmurro, um livro por sua vez tão maduro
que foram necessários anos para que a crítica e o público leitor entendessem o
que Machado estava fazendo. Até hoje é difícil, para alguns, aceitar que muito
da força da narrativa de Bentinho e Capitu está nas lacunas e no que não enxergamos
quando Bentinho fala; mas, julgando-o ou não, encontrando “pistas” ou não”, há pouco
a se fazer a não ser aceitar que a resposta para o enigma Traiu ou não
traiu? não está ali; o que está é, de fato, a dúvida.
Em 1874, 1876 e 1878, respectivamente, vieram os
livros A
Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia. Depois de Iaiá, que
começaremos a ler agora, as coisas mudaram um bocado bom.
Muito pouco se sabe da vida íntima de Machado,
mas o que se especula é que, por questões de saúde, o chamado Bruxo do Cosme
Velho tenha sofrido uma mudança de perspectiva. Seu próximo livro pareceu, de
alguma forma, estourar uma película em volta de sua arte: o romance Memórias Póstumas de Brás
Cubas, de 1881, apresenta características inéditas na literatura de Machado,
do Brasil e, surpresa, do mundo. Harold Bloom, crítico norte-americano, diz que
nosso escritor parece uma espécie de reincarnação de Laurence Sterne (1713–1768),
romancista britânico conhecido principalmente por sua obra inovadora A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, que revolucionou a narrativa ao
introduzir experimentalismo, digressões e elementos de metalinguagem que
influenciaram outros autores também, como James Joyce e Virginia Woolf. A abordagem
irreverente e ousada de Sterne ajudou a expandir os limites da forma narrativa,
deixando um legado duradouro na literatura mundial. Segundo Bloom, Machado foi “o
maior discípulo de Laurence Sterne no Novo Mundo”; porém, “Machado, ironista
genial, jamais ataca a sociedade diretamente”, completa o crítico[2],
e tanto Bloom quanto a tradutora de Brás Cubas para o inglês, Flora Thomson-DeVeaux, concordam que não há ninguém equivalente a Machado
de Assis no mundo da literatura. É difícil encontrar alguém sequer comparável.
Veio em seguida Casa Velha, romance
curtinho por muito tempo esquecido, publicado em folhetim entre 1885 e 1886,
mas só ajuntado em forma de livro no século XX, em 1944. Assim como o primeiro
romance Ressurreição, a novela Casa Velha parece, em partes, um
ensaio para Dom Casmurro (e Iaiá Garcia, um ensaio para Casa
Velha). Depois vieram Quincas Borba, em 1891, espécie de spin-off[3]
avant la lettre de Memórias Póstumas de Brás Cubas; Dom
Casmurro, pronto em 1899 e publicado em 1900; Esaú e Jacó, lançado em
1904; e Memorial de Aires, em 1908, de certa forma também um spin-off
de Esaú e Jacó.
Neste mesmo ano, 1908, Machado faleceu.
RELENDO A FASE ROMÂNTICA
DE MACHADO[4]
Fábio Augusto Steyer[5]
Iaiá Garcia é considerada a última obra da fase “romântica”
de Machado de Assis. Assim é apresentada nos livros didáticos a partir da visão
de uma historiografia mais tradicional de nossa literatura, que divide sua
carreira em duas fases bem distintas, sendo a última (a “realista”) considerada
a mais importante. Ela representaria o auge da genialidade deste que, sem
exagero, é um dos mais importantes autores entre aqueles que algum dia se
aventuraram a escrever ficção em língua portuguesa. Mas será mesmo assim?
Para início de conversa, é preciso lembrar que,
se as classificações e visões esquemáticas da ciência não funcionam
perfeitamente sequer nas áreas exatas, como a física ou a matemática, nas
humanidades isso parece ser praticamente impossível. Se estudamos Machado a
partir desses parâmetros, talvez seja porque os fins didáticos justificam os
meios. Mas a questão que se deve colocar é que ele é um escritor singular em
nossa história literária, cujas características superam em muito qualquer visão
classificatória que se queira fazer de sua obra. Se em Iaiá Garcia e nas
outras obras da “primeira fase” é possível realmente encontrar uma série de
características claramente românticas, também é verdade que elas já revelam
muito do que seria o Machado da “segunda fase”, indiscutivelmente superior em
termos de qualidade literária. Da mesma forma, como bem lembrou certa vez o
professor de literatura Michael Wood, da Universidade de Princeton, há obras da
segunda fase, como Memorial de Aires, por exemplo, que não diferem tanto
das primeiras em tom e estilo. E o próprio Machado, não se pode esquecer, criticava
em sua época um tipo de realismo à moda de Eça de Queiroz no qual hoje é
frequentemente enquadrado.
[...] Segundo dados da Academia Brasileira de
Letras, ao contrário das obras mais conhecidas do autor, como Dom Casmurro
ou Memórias póstumas de Brás Cubas, todas da fase “realista”, que foram
traduzidas para várias línguas, Iaiá Garcia só foi transposta para o
inglês, em edição de 1976 da P. Owen, de Londres, com versão de R. L.
Buccleuch. Além disso, se comparada às obras da fase “realista”, Iaiá Garcia
e os outros livros do período “romântico” foram objeto de estudos, artigos,
dissertações e teses em número bem mais reduzido. Pode-se dizer que o Machado
que se lê na atualidade é prioritariamente o da “segunda fase”, ficando a fase “romântica”
relegada a um plano que não condiz com a qualidade que permeia a carreira do
escritor como um todo. Isso sem falar nos contos (Machado é um excelente
contista) e na crítica literária, duas facetas de Machado menos conhecidas dos
alunos de ensino médio, do público em geral e, lamentavelmente, inclusive em
muitos cursos superiores de Letras.
Mesmo assim, Iaiá Garcia teve seus
momentos de repercussão nacional, sendo inclusive adaptado para outras mídias.
No cinema, foi baseado no romance que Geraldo Vietri fez o filme Que
estranha forma de amar, de 1978 [disponível gratuitamente no YouTube]. E em
1982, com texto do crítico de cinema Rubens Ewald Filho, tornou-se telenovela,
exibida pela TV Cultura.
Agora, essa virada de uma fase para outra na
carreira de Machado de Assis, da qual Iaiá Garcia pode ser considerado
como ponto nevrálgico, já recebeu diversas interpretações dos críticos e
historiadores da nossa literatura. Uma delas é a hipótese biográfica de Lúcia
Miguel Pereira (Machado de Assis: estudo crítico e biográfico), que
procura associar a ascensão social de um escritor mulato na sociedade
escravocrata do final do século XIX com a possibilidade de crítica à própria
classe à qual ele agora passava a pertencer. Também é fundamental lembrar da
visão sociológica de Roberto Schwarz (Ao vencedor as batatas e Um
mestre na periferia do capitalismo), [que classificou as] obras da fase “romântica”
de Machado [...] como “um conjunto de narrativas médias e provincianas” ou como
“literatura apagada”. Embora admita a presença, nos livros desse período, de
algumas características que mais tarde viriam a consagrar o escritor [...],
Schwarz efetivamente ressalta a descontinuidade [ou seja, as diferenças entre as
obras, em vez das semelhanças], o que seria o grande salto qualitativo de
Machado. [...]
Ainda a destacar, na fortuna crítica do romance,
a pesquisa de Hélio de Seixas Guimarães (Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século XIX), que lança a
hipótese de que o Machado “romântico” ainda acreditava na possibilidade de uma
ficção popular no Brasil de sua época, e que ela, além disso, fosse capaz de
descrever e representar artisticamente a sociedade brasileira de então. O
Machado “realista”, ao contrário, teria percebido que, numa sociedade em que
apenas 18% da população era alfabetizada, sendo que destes apenas 2% tinham
condições de ler e comprar livros, esse projeto era impossível. O projeto de um
romance popular, nos moldes dos grandes centros urbanos europeus, perseguido
por muitos de nossos escritores na virada do século XIX para o XX, estava
fadado ao fracasso. Até porque, num país que continuava predominantemente
rural, a vida social era ainda marcada pela escravidão e não oferecia nem
trabalho, nem escola para os de baixo. Machado, a partir da percepção desse
quadro, teria dado uma grande virada em sua carreira, abandonando a ideia de
uma ficção popular e elaborando uma obra literária sem concessões, com um nível
de exigência interpretativa bem maior para seus (poucos) leitores, momento em
que efetivamente vieram à tona de maneira explícita suas qualidades como
escritor.
De qualquer forma, parece que, independentemente
da posição interpretativa que se assuma a respeito dos diferentes momentos da
obra machadiana, é de suma importância que sejam resgatadas as continuidades ao
lado das descontinuidades. A fase “romântica” precisa ser muito mais lida,
debatida e estudada do que vem sendo na atualidade. Iaiá Garcia, como já
disse, é ponto central dessa discussão, pois marca um momento de transição. De
que modo Luís Garcia, Estela, Jorge, Iaiá e Valéria podem nos ajudar nesse
sentido, não cabe discutir neste pequeno texto. Mas quem sabe o narrador
convencional de Iaiá Garcia já revele algumas ironias, por mais sutis
que sejam, explicitadas depois no Machado “realista”. Assim também vale
observar a própria forma de descrição e elaboração das personagens, além das
situações em que Machado as coloca, bem como algumas possíveis simetrias entre
ações e pessoas envolvidas na trama, todas imersas num mundo social atravessado
pelo favor. Talvez aí o leitor encontre — mesmo que nas entrelinhas — o Machado
de Brás Cubas ou Dom Casmurro: buscando a continuidade junto com
a descontinuidade, para que possamos redescobrir e redimensionar Iaiá Garcia
e a “fase romântica” no conjunto de sua obra. Afinal, como escreveu o próprio
Machado em um famoso conto, “o melhor drama está no espectador e não no palco”.
[1]
Bacharel em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Minas Gerais (FALE-UFMG).
[2] BLOOM,
Harold. Gênio. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva,
2003. 832 p.
[3] Um
spin-off é uma obra derivada de uma produção original, como uma série,
filme ou livro, que foca em personagens, eventos ou elementos secundários da
história principal. Ele expande o universo original, oferecendo novas
perspectivas ou narrativas. Por exemplo, uma série de TV que segue a trajetória
de um personagem popular de outra série pode ser considerada um spin-off: House
of the Dragon é um spin-off de Game of Thrones; Better Call Saul
é um spin-off de Breaking Bad; e Young Sheldon é um spin-off de The
Big Bang Theory.
[4] Texto
e mapa presentes em: ASSIS, Machado de. Iaiá Garcia. Porto Alegre:
L&PM, 1999. 224 p.
[5]
Doutor em Literatura Brasileira, professor da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (PR).
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