"À Madame Arsène Charton Demeur", poema de Machado de Assis

Leitura complementar para o Grupo de Leitura Machado de Assis, da Academia de Ciências e Letras de Sabará.

Moderação: Bernardo Lopes


À MADAME ARSÈNE CHARTON DEMEUR

Machado de Assis


Heroína da cena, que entre as flores

Que a senda esmaltam da carreira d’arte

Em que orgulhosa pisas, ostentando

A fronte além das sombras que forcejam

Debalde por calcar teu nome e glória,

Colhes coroas mil com que te adornas

Benévola me escuta. Eu sou bem fraco,

Mas poeta me creio, se o teu nome

Na lira acordo que meu peito exalta.

Que val o templo, se lhe falta o nume?

Não nos fujas daqui, Charton divina!

Deserto fica o majestoso alcáçar

Que Verdi exalta com florões de glória!

Deserta a cena onde pisaste, ornando

A fronte altiva de lauréis, de flores,

Em face a um povo que aplaudindo o gênio

Com palmas estrondosas, te há mostrado

Quanto estima o talento, quanto te ama!

Deserto o nosso espírito de gozos,

Suaves sensações que o ser enleva;

Da tua bela voz ermo de influxos,

Repercutindo apenas dentro d'alma

Os ecos do teu canto sonoroso,

A cada som pungindo uma saudade!

Oh sol que o céu das artes iluminas,

É cedo o ocaso teu na nossa terra!

Um dia mais, um dia mais de enlevos:

Fica, Charton — contigo a luz gozamos;

Sem ti — sombria treva a cena envolve!

Anjo de Melodias, quem soubera

Imitar de teu peito — harpa celeste -

O meigo som, para louvar num hino,

'Teu canto que tu mesma hás já louvado!

Quem me dera, Charton, sentir na mente

De Alfredo de Musset o gênio em chamas

De imenso ardor, para com voz altiva

Levantar-te um padrão, mais duradouro

Que o mármor ou que o bronze, que lembrasse

Junto do nome teu meu nome obscuro!

Mas não posso obter do austero fado

Glória maior que admirar-te o gênio

Num pobre canto, que o teu canto inspira!

Musa gentil dos versos que ora teço,

Quando longe de nós, lá noutro palco,

Traduzindo as de Verdi obras sublimes,

Outros mortais que anelam ver teu rosto

E ouvir teu canto cheio de harmonias,

Com meiga e doce voz extasiares,

Recorda o canto meu, — recorda o vate

Que mais que todos te admira o canto,

Talento e garbo que ostentas na cena!


Não mais minh’arpa! — Inda uma vez te peço,

Não nos fujas daqui, Charton divina!

Inda uma vez de teu talento o brilho

Esparge sobre nós, que eu te asseguro

Não nos falece o santo entusiasmo

Com que já te acolhemos!

Grande eterno,

Refulge o nume no altar da glória.

Grande é Stoltz, mas Stoltzs há muitas;

Charton só uma, que no mundo impera!

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