"Etarismo", de Cláudia Guimarães Costa
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 13. Patrono: Hélio Costa
Etarismo
Toda vez que meu prazo para escrever está prestes a vencer, minha cabeça fica a mil. Amo fazer registros sobre algo que está pulsando em minha vida, mas, nestes tempos de tudo-ao-mesmo-tempo-agora, fica difícil definir e selecionar o que grita mais alto ou pulsa mais forte. Sendo assim, escolho o pulsar que já me incomoda há algum tempo e que está, cada vez mais, clamando por atenção aqui dentro: o etarismo — assunto já sutilmente abordado em outros textos meus.
O conceito de etarismo é, de acordo
com a Academia Brasileira de Letras, a “discriminação e preconceito baseados na
idade, geralmente das gerações mais novas em relação às mais velhas; idadismo”.
Há algumas semanas, o Brasil assistiu
horrorizado a um vídeo em que três ou quatro jovens universitárias debocham da
idade de uma colega com mais de quarenta anos, dizendo que ela não conseguiria
estudar, por estar velha demais para ingressar no ensino superior. Ainda
finalizaram acrescentando algo do tipo, “Ela não sabe nem usar o Google”.
Por mais inaceitável que seja essa
atitude, eu me arrisco a dizer que essas jovens não pensaram em absolutamente
nada no momento em que gravaram o vídeo, exceto no propósito de fazer uma “piadinha”
preconceituosa com a colega. Elas sequer se deram ao trabalho de pensar que, quase
certamente, poderão chegar aos 40, 50, 60, 70, caso tenham sorte — pois
envelhecer significa sobreviver, o que depende de sorte e privilégio.
Aquelas garotas não pensaram nas
possíveis consequências deste ato “inocente”, e lhes faltou, obviamente, empatia.
Talvez o termo que melhor ilustre essa atitude seja ignorância, não no seu
sentido pejorativo, mas literal, de desconhecimento total de algumas regras
básicas de convivência em sociedade e, principalmente, de respeito para com o
outro. Suspeito de que, ao gravarem, devem ter pensado que era somente um vídeo
para fazer “graça” (ainda que não haja nada de engraçado) nas redes sociais. Ao
menos, a grande repercussão negativa que devidamente se seguiu deve tê-las levado
a, no mínimo, refletir sobre o que é ou não aceito, em qualquer espaço, seja
ele virtual ou real. Afinal, tudo, absolutamente tudo, tem limites.
Da mesma forma como acontece com o machismo, vivemos em uma sociedade
onde o etarismo se encontra arraigado, misturado, e travestido de outros
preconceitos. Apesar de nos acompanhar há tempos, o termo é recente, o que nos
indica que várias pessoas decidiram iniciar essa discussão e chamar atenção
para o tópico, pois é preciso falar a respeito disso e enxergar o preconceito
existente. Talvez esse pulsar latente tenha vindo à tona (antes tarde do que
nunca) devido ao fato de o tempo médio de vida do brasileiro ter aumentado, o
que significa que cada vez mais teremos, e seremos, muitos idosos em nosso país.
De acordo com os dados de Projeção da População do Brasil do IBGE, a expectativa
de vida de quem nasceu em 1940 era de 45 a 48 anos (detalhe: as mulheres, apesar
de muitíssimo menos privilegiadas que os homens, vivem mais do que eles: cerca
de sete anos). Essas pessoas do início da década de quarenta “ganharam” um
aumento de, aproximadamente, mais uns 32 anos. O que indica que, felizmente,
hoje a realidade do país é outra; com os avanços nas áreas da Ciência e da Medicina,
a expectativa de vida do brasileiro aumentou, e bastante.
A pesquisa analisou, também, que os homens nascidos em 2021 podem chegar
até os 73,6 anos, enquanto as mulheres que nasceram nesse mesmo período podem
atingir, em média, os 80,5 anos. A expectativa de vida para quem completou 60
anos em 2021 seria de viver mais 23 anos, sendo de 21,0 anos para os homens e
24,7 anos para as mulheres. E, assim, seguimos nos tornando uma sociedade cada
vez com um número maior de idosos.
Qual o motivo de eu ficar aqui, mostrando dados e destacando estas
mudanças na vida dos brasileiros? É para deixar claro que estamos nos tornando
uma sociedade de maioria idosa! E, junto a essa novidade, vem a necessidade de
nos adaptarmos, como comunidade, de termos planejamento e condições de acolher
essa nova classe etária dominante, seja no mercado de trabalho, nas faculdades,
no turismo, no lazer, na saúde e na moda. Somos uma geração madura, decidida,
que sabe o que quer e que, geralmente, tem mais condições de consumo.
O ponto principal de atenção nesse sentido é tentar educar a sociedade
para minimizar o preconceito existente. Esse talvez seja o caminho mais árduo e
complexo, mas ao mesmo tempo extremamente necessário e urgente. Eu espero e
desejo poder, daqui a alguns anos, se eu assim quiser, experimentar coisas
novas, fazer novos cursos, aprender. Aprender o que eu quiser, tiver vontade e
puder! Sim, podemos e temos condições de fazer boas escolhas, administrar melhor
nosso tempo, planejar e reservar momentos de lazer, trabalho, ócio, ou o que desejarmos,
pois o nosso tempo pertence a nós, com nossos filhos mais independentes ou quase
lá.
Eu vejo hoje várias mulheres e homens maduros que mudam seus estilos de
vida, profissão, escolhem mais qualidade de vida ao invés do estresse das
cidades. E, dessa forma, vamos chegando, ocupando e revolucionando esse novo espaço,
de novas oportunidades e escolhas mais conscientes e mais ponderadas.
Acredito que empatia, respeito e cuidado para com o outro são direitos
universais. Como educadora/professora, tenho muita esperança em mudanças
possíveis — de paradigmas, de valores (atualmente muito deturpados) — por meio
da educação. Na minha vivência de mais de duas décadas de docência, já experimentei
as mais diversas situações, muitas agradáveis e prazerosas, outras nem tanto,
mas continuo sendo otimista e acreditando que a base para um país melhor, menos
preconceituoso, menos machista, menos misógino, que acredite na Ciência, que
deseja e luta por igualdade de direitos e de deveres, precisa ser a educação.
Eu me refiro à educação em seu conceito amplo, justa, diversa e
democrática, de qualidade, com amor e cuidado, valorizando-se as diferenças.
Uma educação que ultrapasse os muros das escolas, que seja compartilhada e
recebida com amor em casa, nas famílias e na vida. Eu desejo a todos, crianças,
jovens, adultos e idosos, de todas as cores e classes sociais, uma educação de
qualidade que os permita ter pensamento crítico e, assim, fazer boas escolhas.
Eu também gostaria de poder, daqui a alguns anos, ver o efeito da
educação (e da maturidade) particularmente na vida das jovens do vídeo
mencionado. Espero que elas tenham compreendido o erro que cometeram e tenham
sentido que aprender assim machuca e pode ser muito doloroso por vários e
diferentes fatores. Existem outras maneiras menos dolorosas de sermos educados.
Para conseguirmos nos educar precisamos entender e “sentir” a dor do
outro. Ser empáticos é o primeiro passo desse processo. Desejo que as jovens
tenham a oportunidade de amadurecer, e futuramente viver numa época em que não
haja preconceito e na qual possam ensinar, através da educação, a lição que
aprenderam.
É muito importante que todos nós consigamos respeitar o outro, independentemente da idade, e que todos nós tenhamos a oportunidade de envelhecer, pois ENVELHECER É UM PRIVILÉGIO!
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Querido leitor, assine seu comentário!
É um privilégio ser idoso e ser tio dessa "fera" das letras! Parabéns Cacau pelo lindo e tocante texto! Eu particurlamente sei o quanto a idade (as etarias "entas") é passivel de desdenhos e preconceitos. Mas sei também que é acumulo de conecimento e sabedoria. Parabens Cacau!
ResponderExcluirMeu lindo e amado tio!! Seguimos tentando mudar esses (pre)conceitos. Bjs e te amo muito!
ExcluirParabéns pelo texto provocante! Pelo convite a reflexão e por trazer para o bojo da discussão uma temática tão pertinente! ...
ResponderExcluirObrigada Mirtes. Um beijo querida!
ExcluirMuito boa sua reflexão sobre o tema. Realmente, deve-se falar sobre isso, várias vezes, até que se torne comum a gentileza com os mais velhos. Os idosos são "privilegiados" e devem viver como tais.
ResponderExcluirLinda, você disse tudo. Sou uma das privilegiadas por sobreviver. E agora voltei a cantar aos 65. Que alegria e vigor isso me dá! Grata por sua sensibilidade.
ResponderExcluirSelma Canfido Rossi