"À tarde, fui cuidar de abelhas", de Bernardo E. Lopes
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 17. Patrono: Júlio Ribeiro
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À TARDE, FUI CUIDAR DE ABELHAS
Há seis mil anos o homem vive feliz
Fazendo guerras e asneiras
Há seis mil anos Deus perde tempo
Fazendo flores e estrelas
"Todo dia é uma data histórica."
Quando, há quase um ano, a Rússia iniciou sua invasão militar à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, ainda teríamos de esperar dez meses até ouvirmos Putin chamar a operação de guerra. No dia seguinte à data histórica, fui ao clube. Nadando sozinho na piscina inóspita sob um céu meio nublado, me dei conta do absurdo, tão comum e tão geralmente inescapável, de continuarmos com nossas atividades corriqueiras enquanto do outro lado do mundo eventos de proporções enormes estão se desdobrando.
Algumas semanas guerra adentro, me deparei no Twitter com a imagem de um trecho dos diários de Kafka, escritor tcheco, datada de 2 de agosto de 1914. Kafka registrou naquele dia: “Hoje, a Alemanha declarou Guerra à Rússia. À tarde, fui nadar.” Diferente de mim, ele não podia tirar uma foto e postar um stories da piscina. Mas é bem possível que, se pudesse, também se questionaria se devia. Tal sentimento de incoerência e ambivalência, pelo jeito, não acomete a apenas nós, reles mortais numa era de ultracompartilhamento de informação e excessos de distrações, trabalho e produção interativa — a ferida escancarada da percepção de que tudo acontece em todo lugar ao mesmo tempo. Seguir com suas atividades habituais enquanto, em outro continente, uma guerra se deflagra parece ser uma versão de proporções globais da mensagem simples, triste e doce, do famoso quadro Paisagem com a Queda de Ícaro.
Nessa pintura de 1560, atribuída ao renascentista neerlandês Pieter Bruegel, o Velho — mas a qual, segundo especialistas, é mais provavelmente uma cópia do original de Bruegel, datado de 1558 e hoje perdido —, seu artista retrata uma cena bucólica aparentemente sem grandes pretensões: um lavrador, quase centralizado em primeiro plano, conduz concentradamente seu arado; um pastor empunhando um cajado e de olhos voltados para o céu zela por suas ovelhas, acompanhado de um cachorro fiel; navios velejam ao fundo; e, mais ao fundo ainda, cidades refulgem na sua calma.
Figura 1
- Pintura de Pieter Bruegel Paisagem com a
Queda de Ícaro (1558), reproduzida dois anos depois por artista desconhecido.
O detalhe que quase se perde é que, aos pés de uma das naus, alguém parece estar se afogando: é o lendário Ícaro, que, com a ajuda do pai, pregou às próprias costas um par de asas com cera e, não obedecendo às recomendações do progenitor, voou perto demais do Sol, levando a cera a derreter — e assim despencou das alturas. Na representação dessa Paisagem, é aqui o paradeiro final de Ícaro: no mar de esquecimento. A mensagem que se tira disso? A de que, não importa o tamanho de nossa tragédia pessoal, em todos os outros cantos do mundo a vida continua. E o que há de reconfortante nisso? Para Bruegel parece ser o fato de que todos os nossos constrangimentos e falhas serão eventualmente esquecidos; então não há tanto com que se preocupar sobre o que os outros pensam de nós e do que fazemos: nossas histórias, com todos os seus destrambelhos, hão de felizmente logo cair em esquecimento.
A diferença, porém, é que a guerra na Ucrânia havia de mexer conosco. Seus efeitos práticos foram e ainda são sentidos no preço dos alimentos e do petróleo. Sem contar os gatilhos que toda guerra aciona: a consciência dolorosa das mortes a serem contabilizadas, das famílias e mais famílias fugindo de suas casas para escapar dos horrores súbitos dos bombardeios iniciados nas cidades de Kiev, Kharkiv, Kherson e Dnipro. Não sentimos o tremor no nosso solo, mas temos sido afetados por ele, não importa o quanto se ignorem (e se desconheçam) as proporções desse conflito.
Minha resposta natural ao que acontece no mundo, ao meu redor e dentro de mim, é buscar pares para esses sentimentos, tumultos ou questionamentos na Literatura. Anos atrás, eu havia conhecido e me apaixonado por um delicado escritor ucraniano chamado Andrei Kurkov (ou Andrey, com y, para os veículos internacionais). E minha resposta natural às leituras que faço é, se o escritor for vivo, procurá-lo nas redes sociais; e encontrei Kurkov no Facebook.
Quando tivemos nossa primeira conversa pelo Messenger, eu ainda não tinha terminado a leitura de seu A morte de um estranho, de 1996, publicado em português só em 2004. Tirei dúvidas diretamente com o autor sobre elementos culturais da narrativa (pretexto para bater papo), já que a história se passa em Kiev. Kurkov generosamente me trouxe explicações, compartilhou um link para uma leitura extra, e nós dois passamos a nos desejar feliz aniversário sempre que o Facebook apontava essas datas comemorativas; uma honra, eu sei, simples e gostosa, da qual eu ainda me orgulho e me gabo.
A morte de um estranho já abordava temas caros à vida na Ucrânia, mas numa discrição e singeleza que são marcas da Literatura do escritor. Na ficção de Kurkov, não é preciso falar abertamente de política nem apontar dedos[1]: ele apenas leva os personagens aos lugares certos, e às ações certas, para desenhar o estado das coisas naquelas terras, naquele tempo.
O elemento que mais salta aos olhos nesse romance é o companheiro inseparável do protagonista Viktor, o pinguim Misha (que é só um pinguim, mesmo; não é nenhum personagem que fala, estilo Disney). Viktor, escritor frustrado que ganha dinheiro publicando pequenos obituários em jornais, adquire a ave de um zoológico que está fechando as portas e passa a criá-la em casa como animal de estimação. Silenciosos, melancólicos e pouco exigentes, os dois vivem uma relação de codependência que só será ameaçada quando, para continuar se mantendo em meio às condições econômicas ruins de seu país, Viktor passa a trabalhar na informalidade se prestando a alguns serviços escusos que ele nem imaginava estarem associados à máfia. Nem o pobre pinguim Misha deixará de ser sugado para esse espiral de transações ilícitas.
Misha e Viktor se tornaram personagens tão queridos no mundo editorial que, após alguns anos e grande pressão por parte dos leitores, Kurkov decidiu publicar uma sequência, que não chegou a ser traduzida para o Brasil. Mas foi só em 2018 que o autor lançou o livro que mais diretamente dialoga com os conflitos que viriam a se instaurar em sua pátria em 2022. E que mostraria que a guerra que só recentemente chamou nossa atenção na verdade está presente na Ucrânia há mais tempo do que os nossos noticiários nos dão a entender.
Menos — ou mais — do que um panorama político minucioso, chegando às vezes a um discreto ar de fábula, Abelhas Cinzentas é um romance sobre neutralidade, sobre os anseios de um homem comum de bom coração em meio à confusão humana dos tempos modernos. Sua construção é de uma simplicidade polida: através de seu estilo econômico, que diz muito, e de uma narrativa principal singela contra um pano de fundo político intrincado e habilmente disfarçado como secundário, a narrativa alegoriza, através de seu rol de personagens, três visões principais sobre o conflito Rússia-Ucrânia:
A primeira, daqueles que defendem a atitude opressora da Rússia como a solução natural para a Ucrânia. A segunda, daqueles que se mantêm firmes de que o passado a que Putin se agarra não deve tornar a ser o presente. E a terceira, como a do protagonista do livro, Sergey Sergeyich, um apicultor pacato de 49 anos que faz parte dos que não querem nada além de paz — e não a paz mundial propriamente dita, mas a “paz” de poder continuar com sua rotina sem precisar se preocupar com política. Sergeyich é um “isentão”.
Sujeito extremamente prático, ele se esconde da realidade em suas atividades cotidianas, uma em especial: cuidar de abelhas. Sua esposa o deixou há tempos e levou com ela sua filha, depois que, já aposentado por invalidez em consequência de problemas de saúde adquiridos na mina onde trabalhava, Sergeyich se recusa a abandonar seu lar. A vila onde mora, a Pequena Starhorodivka, fica na chamada “zona cinzenta” do Donbass ucraniano, numa área situada entre os separatistas em defesa da Rússia e as forças de combate dos militares da Ucrânia.
No tempo da narrativa, o conflito entre os dois lados já dura mais de oito anos — e Sergeyich o vai ignorando como pode. Cultiva suas colmeias, vende o mel quando possível, para fazer um dinheirinho — não precisa de muito: não há lojas em Pequena Starhorodivka, todos os habitantes fugiram, exceto Sergeyich e mais um; se pretende adquirir um ou outro item de necessidade básica, precisa visitar algum vilarejo meio afastado da região.
Enquanto culturalmente, na Ucrânia, o cultivo de abelhas rainhas e operárias é sinônimo de sabedoria, ironicamente, no romance de Kurkov, a apicultura, o ramo da criação de abelhas, representa um “lavar de mãos”. O mercado das chamadas camas de abelha é comum nas terras ucranianas: são literalmente camas, feitas de madeira, num formato muito parecido com o das camas de bronzeamento artificial, e que são construídas em cima de uma fileira de cinco ou seis colmeias, onde os clientes pagam para se deitar e dormir por longos minutos ou até horas. Alega-se que as camas de abelha trazem benefícios à saúde: harmonizam o funcionamento do sistema cardiovascular, aumentam a imunidade. E o protagonista Sergeyich já teve a sua própria cama em casa, recebendo figuras ilustres para seu pequeno spa, como um chefe de estado de Donbass, quando a vila ainda não tinha sido desertada pelos moradores.
No ponto em que a narrativa do livro se inicia, Sergeyich já abandonou essa vertente de negócios, por falta de clientela. A energia elétrica foi cortada, o sistema de aquecimento de sua casa precisa ser a todo instante reabastecido com carvão para que ele não morra congelado. As casas ao redor estão todas desocupadas. A igreja é só destroços — foi em algum momento atingida por uma bomba. Do que resta de sua Pequena Starhorodivka, o apicultor consegue ouvir os estrondos de explosões ao longe, de tempos em tempos. Isso mantém acesa uma preocupação: E se uma bomba cair sobre sua casa e matar suas pobres abelhas? As colmeias foram cobertas com metal para protegê-las enquanto hibernam, mas isso é tudo que ele pôde fazer. Nem é sua própria situação que angustia Sergeyich. Mesmo quando uma explosão faz suas janelas tremerem, o que o preocupa é, no máximo, ter que trocar os vidros quebrados e talvez futuramente precisar trocar as abelhas de lugar. Elas precisam de paz para produzir seu mel.
Um trechinho do Capítulo 1:
“Todo mundo mais em Pequena Starhorodivka quis ir embora quando o combate começou. E então foram — porque temiam por suas vidas mais do que temiam por sua propriedade, e aquele medo mais forte tinha prevalecido. Mas a guerra não tinha feito Sergeyich temer por sua vida. Só tinha o deixado confuso, e indiferente a tudo à sua volta. Era como se ele tivesse perdido todo o sentimento, todos os sentidos, exceto por um: seu senso de responsabilidade. E esse senso, que era capaz de deixá-lo terrivelmente aflito a qualquer hora do dia, era concentrado inteiramente em um objeto: suas abelhas.”
Mas Sergeyich não foi o único teimoso a não arrastar o pé de sua vila: há só mais um habitante, a algumas casas de distância. É seu “inimigo de longa data”, Pashka, alguém que Sergeyich ama odiar, e com quem odeia se importar. O sentimento é recíproco. Até que a vila fosse esvaziada, Sergeyich e Pashka mal se trombavam, insistentes sempre em manter viva a rivalidade antiga. Agora, são só os dois. E eles estão dia ou outro se visitando, sentando-se juntos ao fogareiro para tomar um chá, bater boca, experimentar um pouco de mel, bater boca mais um pouquinho; e, em alguns momentos de trégua, debatendo se algo sinistro parece sondar os arredores e se ajudando caso os tremores de terra causados pelas bombas derrubem uma calha na casa de um ou do outro.
Os encontros geralmente acabam em ofensas e provocações, mas no dia seguinte lá estão eles de novo, instados pela necessidade de se avisarem sobre alguma novidade — se é que há alguma — e se oferecendo para filar um chá, ou pedindo um binóculo emprestado.
Mas, além do amor e do ódio, das farpas e dos chás, do mel e dos binóculos, os dois homens compartilham de uma outra coisa: a vontade de que tudo volte ao normal. De que os resquícios da guerra que não querem enxergar, mas enxergam, sejam varridos para debaixo do tapete de sua pacata paz individual (embora sejam ambos claramente assombrados pelos fantasmas da vida familiar). Às vezes recebem visitas: o correio, que só vai até uma certa rua; ou um jovem soldado de quem Sergeyich fica amigo, e que de vez em quando lhe faz o favor de levar seu celular para carregar no posto militar. Mesmo quando as circunstâncias — mais precisamente as das abelhas — levarem Sergeyich a enfim deixar sua querida vila, o apicultor manterá contato com este jovem combatente, trocando mensagens via celular: “Vivo?”, Sergeyich escreve de tempos em tempos; “Vivo”, a resposta do rapaz chega para ele. É de cortar e aquecer o coração.
Kurkov, o autor, é com frequência elogiado pela forma como extrai humor da frieza de uma realidade monstruosa. Não faz de propósito, diz ele; apenas conta o que os personagens fazem, qualquer efeito cômico é da natureza tragicômica da teimosia e da vulnerabilidade humanas. Sergeyich e Pashka se esforçam tanto em encobrir a verdade, para evitar se posicionar ou mudar suas vidas, que isso culmina em outra cena emblemática de angústia e absurdo:
Certo dia, do pomar de casa, Sergeyich nota a figura de um homem deitado no amplo campo encoberto de neve que ladeia seu pomar. Quando pede a Pashka os binóculos emprestados para averiguar, seu melhor arqui-inimigo não hesita em vir atrás. As lentes não mentem: é um corpo. De um soldado, certamente morto por um sniper enquanto atravessava de um lado para o outro. Mas a qual dos lados do conflito esse soldado pertence? Ao ucraniano ou ao russo? Bem, a situação é grave, refletem os vizinhos entre si, e não pode ficar assim. Tomara, concordam eles, que a neve comece a cair mais forte e esconda logo o cadáver de suas visões. Só não querem é ter que todo dia sair ao pomar e se deparar com aquele corpo.
O personagem de Pashka defende a ocupação russa. Ucraniano, refere-se aos soldados russos como “nossos garotos”. Suas considerações passam por Sergeyich como uma lufada insignificante de vento: o apicultor só se preocupa é com suas abelhas. Quando Pashka o critica por isso, Sergeyich responde: “Tire minhas abelhas da sua boca imunda!”. Para Sergeyich, a guerra importa menos do que para Pashka. O apicultor se acostumou tanto a dormir ao som de bombardeamentos que, se o rugir da nevasca ocupa o ar nos dias mais rígidos do inverno, ele reclama da neve, porque o barulho dela o atrapalha a dormir. Seus ouvidos estão tão acostumados ao alarmante som de tiros longínquos que o sussurro da natureza é que tira sua paz.
Não importa a Sergeyich que a guerra precise chegar ao fim. Se ela não afetar a sua vida, isso lhe basta. Após alguns dias de neve, o coração angustiado de Sergeyich pode enfim se acalmar, porque o corpo do soldado em breve terá sido encoberto. É o que ele espera. Quando um projétil ou outro por vezes cai em pontos vazios do vilarejo, Sergeyich torce para que sejam só tiros acidentais dados por soldados sonolentos ou por combatentes bêbados brincando para se distrair.
A vida, porém, irá logo cobrar de Sergeyich um posicionamento. Para proteger as abelhas e levá-las para respirar ar mais puro, caso contrário a qualidade do mel estará prejudicada, o apicultor se vê forçado a deixar sua pequena vila e seu inimigo de infância e partir em seu carro para longe da zona cinzenta.
Sempre que a dificuldade de cuidar de suas abelhas apertar, Sergeyich entrará em seu velho Lada e procurará um lugar onde possa dar a elas um lar melhor. Nesses momentos, o livro brinca com as características de um romance de viagem. Sergeyich fará duas paradas principais, a primeira numa cidade onde encontrará uma companheira, e a segunda na Crimeia, uma terra produtivíssima para o cultivo de mel e que parece ser o oposto do cenário pós-apocalíptico de que o apicultor vem. Mas, mesmo se movimentando, Sergeyich ainda guarda muito do velho homem cheio de medo da mudança, cheio de reservas em saber o que há de novo. A placa de seu carro ainda é a antiga placa soviética. Um soldado irá provocá-lo num dos inúmeros postos de controle militar pelos quais Sergeyich passará em sua odisseia: “Que isso!, você ainda tá vivendo na URSS?” Não podemos dizer que não.
O translado pelo bem das abelhas lhe trará um bocado de problemas; Sergeyich entenderá um pouco do que é viver como uma espécie de refugiado; a verdadeira condição política e social de sua região se forçará contra ele. As verdades de que ele se escondeu estiveram sempre lá.
Por outro lado, o apicultor também testemunhará o que Bruegel pintou em Paisagem com a Queda de Ícaro. Em meio à gravidade dos conflitos e à sua complexidade, as pessoas com as quais Sergeyich cruza em seu caminho seguem fazendo seus ajustes para sobreviver, e suas vidas continuam, em todos os cantos. Aquele dia na piscina, nadando enquanto uma nova fase dos conflitos na Ucrânia se desdobrava, pus os pés nos azulejos do fundo e pensei: quero entender um pouco do que está acontecendo. Não posso dizer que entendi tudo; talvez esteja longe, inclusive, de entender o bastante. Mas a Literatura foi o caminho que encontrei para conhecer melhor a história de uma guerra.
Andrei Kurkov nasceu em Leningrado, mas logo cedo se naturalizou na Ucrânia. Escreve ainda em russo, o russo falado em seu país de coração, um pouco diferente, por questões regionais, do russo falado na Moscou do país de gelo. Em 2019, quando adquiri Penguin Lost, a sequência de A morte de um estranho, eu tinha enviado para ele uma foto por Messenger mostrando a novidade, e ele respondeu com uma mensagem fofa, me contando um pouco sobre como as coisas estavam lá:
Bom dia, Bernardo! Saudações de Kiev! Tenha uma boa jornada [de leitura do livro]! Acabei de voltar pra casa depois de um mês de turnês de promoção do meu livro na França, Dinamarca, Letônia e Finlândia e de visitar meu filho na Irlanda e minha filha na Inglaterra. A vida é diferente agora que a família está espalhada. Mas a primavera me deixa feliz e agora estou escrevendo com um amigo e colega um romance tranquilo de aventura que pode ser interpretado como uma paródia de Dan Brown. Tenha um bom dia!
Minha última conversa com Kurkov foi em agosto de 2020, quando ele postou um story meio preocupante (do qual não me lembro) e eu perguntei se estava tudo bem por lá; ele respondeu: “está tudo bem!!!”.
No fatídico dia da invasão, quase um ano atrás, enviei para ele: “Oi, Andrei! Espero que esteja tudo bem com você e sua família.” Ele nunca visualizou a mensagem, mas nas semanas seguintes já começou a aparecer em clips de telejornais internacionais no YouTube. Falava de como havia recebido o início da guerra e de como tinham sido seus primeiros dias até que ele e seus familiares que ainda moravam na Ucrânia conseguissem encontrar um lugar seguro.
Num dos podcasts em que foi entrevistado, o autor de Abelhas Cinzentas[2] fez um balanço pessoal do que é viver em guerra: “Você não diferencia os dias da semana. Às vezes não tenho certeza de se é segunda ou quarta ou sexta; dou uma olhada no computador, ou pergunto minha esposa; mas não é importante agora. O importante é meio que esperar até que notícias melhores cheguem. Talvez esperar até que a guerra acabe. Da mesma forma, não vai ser importante em qual dia da semana isso vai acontecer.”
Para Andrei Kurkov e para todos nós, não importa se a guerra termina numa terça-feira, numa quinta, ou num sábado. O que importa, no fim das contas, é que ela acabe.
[1] Mas ele tem feito isso com prazer nos inúmeros podcasts e entrevistas sobre a guerra dos quais tem participado. Andrei Kurkov virou um dos críticos mais ferrenhos da política de Putin e passeia por vários veículos de comunicação esclarecendo as histórias, os efeitos e os motivos reais do conflito armado.
[2] Ainda sem edição no Brasil, Abelhas Cinzentas pode ser encontrado em português de Portugal (Porto Editora) e também em inglês, como Grey Bees, e em espanhol, como Abejas Grises, além de em alemão e algumas outras línguas.
Querido leitor, assine seus comentários!
Boa tarde,Bernardo,Saudações de dentro de casa em uma Sabará engatinhando pós pandemia...Espetacular seu texto!Tamanha maestria a sua de co relacionar literatura,artes visuais,mitologia, história contemporânea e total sensibilidade de viver a vida rotineira,mas com o pensamento no mundo todo! Bjo de paz engajada nos melhores sentimentos humanos!
ResponderExcluirGlaura Sepúlveda de Oliveira Fantini
Parabéns pelo texto. Você é mil! Bjo. Mamis.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Você é brilhante amigo. Tenho muito orgulho de você 🧡
ResponderExcluirQue orgulho, meu amigo! Nos proporcionou uma aula. E eu dom para a escrita é divino. Gratidão! Forte abraço !
ResponderExcluirSelma
Bernardo, esse texto é tão seu, ao mesmo tempo em que é abrangente, mundial. Leitura necessária, em tempos de guerra ou paz. Obrigada! Isabella
ResponderExcluirEu deveria escrever mais que um nanquim digital... a experiência de seu texto agarrou tantas lembranças... a família fugindo para o Brasil ... não haveria mais a Itália e seus passados! Era alternativa de paz e plantações a sobrevivência! Assim escorrem as histórias de nossas famílias, inclusive as universais! Gratidão por povoar de vida às abelhas doces e que adoçam sonhos dos que escrevem! Estou tocada e às vezes entocada a pensar no mundo que ainda não resolveu substituir seus velhos canhões por flores... Vandre!!! Muitos beijinhos melados e letrados! Grazi de Sempre
ResponderExcluirBernardo! Obrigada pela oportunidade de leitura. Literatura, arte e conhecimento no mesmo lugar. Existem experiências que somente a literatura é capaz de oferecer! Abraço Fernanda Alves
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