CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "O ensino de Música na pandemia", texto de Lucas Duarte
O ENSINO DE MÚSICA NA PANDEMIA
O caso da Sociedade Musical Santa Cecília de Sabará
Cadeira 4. Patrono: Antônio Pinto Júnior
EAD, vídeo-chamada, conferência
on-line, Skype, Google Meet, Zoom, lives, WhatsApp… Palavras
e plataformas novas ou pouco conhecidas que se tornaram presentes nesse período
de pandemia. Muitas vezes, dominá-las era algo imperativo para que os trabalhos
cotidianos continuassem a ser realizados. Isso não foi diferente na área
musical, mais especificamente na área de ensino de Música.
Já é de conhecimento de todas e todos que o isolamento social
trouxe desafios enormes para a área educacional. Como professor de Música, a
primeira questão que invadia meus planejamentos de aula era como fazer para que
uma atividade essencialmente prática, que depende de uma conexão coletiva e de
interrelações pessoais que vão desde o entendimento da função de cada
instrumento dentro de um grupo musical ao instinto de confiança no amigo que
senta ao seu lado, funcionasse em um ambiente on-line. A experiência de aulas remotas com os grupos musicais da
Sociedade Musical Santa Cecília de Sabará (SMSC) foi — e tem sido —
importantíssima para mostrar que, com colaboração mútua entre professores e
alunos, e também com uma boa dose de criatividade, é possível fazer um trabalho
de ensino atrativo e efetivo de Música.
A SMSC é uma entidade sem fins lucrativos que promove aulas de
Música de forma gratuita à comunidade sabarense. Em março de 2020, devido à
pandemia, a instituição interrompeu suas atividades presenciais e passou a
utilizar ferramentas de vídeoconferência para continuar realizando as aulas e
os ensaios dos quatro grupos musicais (Banda de Música, Orquestra de Câmara,
Coral Adulto e Coro Infantojuvenil). Desde então, vários desafios precisaram
ser vencidos para que pudéssemos fazer um trabalho interessante e que realmente
proporcionasse a evolução técnico-musical dos alunos da entidade.
Uma das grandes vantagens da prática musical em conjunto é o
desenvolvimento da autoconfiança. Nos ensaios presenciais, mesmo aquele músico
que é iniciante pode se sentir confortavel para tocar, pois ao lado dele estão
colegas que são mais experientes e que podem ser uma referência durante a
prática musical. Infelizmente, no ambiente on-line,
esse tipo de relação não acontece, pois é necessário falar/tocar um de cada
vez, para que todos possam entender realmente o que está sendo dito/executado. Isso
cria uma forma de exposição com a qual os alunos não estavam acostumados, o que
gera um desconforto inicial que, se não for diagnosticado e revertido, pode
levar ao desânimo e até mesmo à desistência do músico.
Nesse ponto, a ideia foi proporcionar aos alunos atividades
que estivessem ao alcance de todos os níveis de aprendizado, personalizadas ao
perfil de cada músico em questão. Uma de nossas professoras, Ana Carolina
Umbelino, criou o “Desafio SMSC”, que consistia em pedir aos alunos que
tocassem escalas ou trechos de músicas, gravassem em vídeo e enviassem para nós
para que pudéssemos orientar, se fosse o caso, em um caminho de melhora. Em
troca, esses vídeos foram postados no perfil do Instagram da entidade, e os
alunos que enviavam eram os “Vencedores” dos desafios. Isso proporcionou um
estímulo à participação mais regular nas atividades, enquanto incentivou outros
alunos a participarem não só dos desafios, mas também dos ensaios on-line. Além disso, foram usados
recursos como gravação de guias de áudio para estudo, videoaulas, links de vídeos do YouTube — enfim, tudo
que pudesse facilitar o treinamento do instrumento em casa e que aumentasse a
condição técnica e, consequentemente, a confiança do aluno para participar das
aulas.
Outra questão que emergiu desse processo de aulas remotas foi
a condição para atender todos os alunos. A pandemia trouxe à tona vários
elementos da desigualdade social no Brasil, e o que mais pesou, no caso da
SMSC, foi o acesso à internet ou à tecnologia de uma forma geral. Tivemos uma
perda na participação dos alunos nas atividades on-line de cerca de 30% em relação às aulas presenciais. Em grande parte, isso aconteceu porque as
pessoas não tinham aparelhos compatíveis com os aplicativos que eram utilizados,
ou mesmo porque não possuíam wi-fi na
residência e, caso participassem das aulas utilizando o “pacote de dados” da
operadora de celular, acabariam com ele em apenas um encontro.
Para não perdermos contato, os alunos que tinham essa
dificuldade foram, de certa forma, liberados de participar das aulas síncronas
(essa palavra, aliás, também faz parte das novas nomenclaturas que incluímos em
nosso cotidiano) em troca da realização de vídeos tocando ou cantando músicas
do repertório dos grupos em que participavam. Além disso, para algumas aulas
que eram individuais ou mesmo em dupla, foram utilizadas também as chamadas de
vídeo pelo WhatsAap, já que, em algumas operadoras, são oferecidos planos em
que o acesso ao aplicativo não consome os dados do pacote de internet
contratado.
Após a definição de toda a metodologia das aulas, quais as
plataformas, atividades, entre outros, a pergunta que persistia era: como vamos
fazer os grupos se apresentarem? Para nós músicos, uma das maiores recompensas
de nosso esforço diário e estudo do intrumento ou canto é o reconhecimento do público
— o aplauso! E chegar ao público ainda é um dos maiores desafios para se vencer
nesse período pandêmico, não só pela SMSC, mas creio que por todo o setor
cultural.
Entre as alternativas levantadas, os vídeos em mosaico (onde
cada músico grava de casa, com seu próprio aparelho celular, um vídeo para ser
editado com os demais integrantes) foi o modo escolhido para fazer com que o
trabalho de ensino musical da Sociedade Musical Santa Cecília chegasse ao nosso
público. Não é necessário dizer que isso gerou várias questões relativas à
dificuldade de muitos em gravar um vídeo — ainda mais um vídeo cantando ou
tocando!
Para que esse trabalho seja possível, é necessário criar guias
de áudio, com contagens e referências sonoras de todo o arranjo musical para
que os instrumentistas e cantores mantenham um padrão de performance que
possibilite a sincronização de todos os vídeos (creio que só de ler isso já
causa um certo cansaço). Cada grupo musical da SMSC possui entre 20 e 30
integrantes, e praticamente nenhum desses integrantes tinha tido uma experiência
de gravação anteriomente. Talvez esse tenha sido um dos maiores desafios deste
período de aulas remotas. Além das questões técnicas intrinsecas ao processo,
havia também a desconfiança de alguns dos músicos sobre se aquela ideia
funcionaria mesmo.
Apesar disso, essa atividade revelou questões muito mais
positivas do que negativas! Uma delas foi o empenho dos músicos para fazer dar
certo. Alguns deles relatavam que chegaram a gravar mais de cinco vezes as músicas
até chegar no ponto em que eles queriam, o que demonstrou que essa prática
proporcionou também a cultura da autocrítica. Quando eles se gravavam,
percebiam erros que durante a performance não eram percebidos e, desse modo,
conseguiam corrigir questões técnico-musicais antes mesmo do auxílio do
professor.
A partir disso, o processo que inicialmente era complicado
demais se tornou um grande aliado para o aprimoramento musical dos alunos, além
de proporcionar o que mais precisávamos no momento, que era a apresentação de
algumas peças do repertório de cada grupo. Algumas outras questões poderiam ser
citadas aqui, como, por exemplo, as interferências externas durante a gravação
dos vídeos, que vão desde passarinhos cantando no fundo sonoro do vídeo a uma
furadeira ligada pelo vizinho em uma hora indesejada, mas nada que não pudesse
ser contornado na edição dos vídeos.
Todo esse processo de aulas on-line foi de grande valia para a experiência de docência e para
quebra de preconceitos em relação à efetividade das atividades ministradas no
sistema EAD. Foi possível lançar um olhar mais profundo sobre a condição, não
só técnica, mas social e pessoal de cada aluno e aluna, e promover experiências
que na prática presencial dificilmente seriam pensadas como metodologia de
ensino.
Porém, é importante ressaltar que muitos elementos do ensino
musical dependem da relação social que essa atividade promove e que muitos
elementos de autoconfiança, liderança, companheirismo e do aprendizado,
inerentes à prática musical em conjunto, acabam sendo limitados ou atenuados em
ambiente on-line.
A esperança é que a vacina chegue o mais rápido possível a
todos, para que tenhamos segurança para voltarmos às nossas atividades
presenciais. Contudo, temos o alento de que, enquanto isso não acontece,
podemos confiar nas plataformas de ensino à distância para manter o trabalho de
ensino musical gratuito que a Sociedade Musical Santa Cecília oferece desde
sempre e que revelou grandes talentos para o meio profissional da música nas últimas
décadas!
Grande ecexcelente trabalho, parabéns!
ResponderExcluirSelma
Que delícia de OUVER (ver e ouvir). Parabéns Lucas!!! Seguimos fortes, nos reiventando a cada dia!! Um forte abraço virtual e emocionado! Cacau
ResponderExcluirMuito bom!👏
ResponderExcluirLucas, belas e incentivadoras palavras. Parabéns a todos os professores e colegas da Sociedade Musical Santa Cecília de Sabará pela persistência e quebras das dificuldades enfrentadas neste momento de pandemia. Feliz em participar deste grupo. Obrigada!
ResponderExcluirMúsica é vida, não pode parar nunca as aulas da SM Santa Cecília
ResponderExcluirA Arte salva! Bravo Lucas!...
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