CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "História e Romance Histórico", texto de Isabella Carvalho de Menezes


HISTÓRIA E ROMANCE HISTÓRICO

ISABELLA CARVALHO DE MENEZES 
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 1. Patrono: Aníbal Machado

Pretendemos com este texto confrontar os ofícios do historiador e do romancista histórico, no tocante ao uso da imaginação.

O romancista se serve da imaginação para elaborar uma imagem acerca do passado. Ele toma como ponto de partida alguns elementos históricos para situar os personagens e acontecimentos da sua trama, mas logo pode se desprender dessas balizas, para imaginar livremente o passado, como quiser.

O historiador, quando engajado no processo de interpretação histórica, também se vale da imaginação para encadear a sua narrativa. Vejamos essa afirmação com mais cuidado, pois ela pode causar um certo estranhamento inicial. Como o historiador usa a imaginação, sendo que, diferentemente do romancista, o que ele busca é a veracidade dos fatos?

O conceito de “imaginação histórica” representa uma contribuição de R. Collingwood para a Teoria da História contemporânea. Segundo o autor, as fontes históricas falam de uma ou outra parte de um processo, e cabe ao historiador usar a imaginação construtiva para preencher as lacunas entre os elementos fornecidos pelas fontes, possibilitando a continuidade da narrativa histórica. Ou seja, ele promove a conexão interna entre eventos do passado, estendendo teias de construção imaginativa entre eles, de modo que a sua imaginação não é livre, mas atrelada àquilo que é exigido pela evidência. Por exemplo: “as fontes dizem-nos que, num dia, César estava em Roma, e num outro dia, estava na Gália; não nos dizem nada sobre a sua viagem de um lugar para o outro, mas interpolamos isto, com uma consciência perfeitamente clara”[1]. O historiador interpreta nas fontes coisas que elas não dizem explicitamente, mas que podem ser delas deduzidas, o que corresponde a uma legítima construção histórica. Já se “enchêssemos a narração de feitos de César, com pormenores tão extravagantes como o nome das pessoas que ele encontrou no caminho, e aquilo que lhes disse, seria, de fato, a espécie de construção que é feita por um romancista histórico”[2].

Portanto, Collingwood faz uma distinção entre a imaginação livre do romancista – nem por isso arbitrária, pois busca construir um todo coerente e dotado de sentido –; e a imaginação histórica, que tem como tarefa especial imaginar o passado, construindo um quadro que, além de coerente e dotado de sentido, objetiva a veracidade, apoiando-se em provas. Cabe destacar, por fim, que, como não existem fontes históricas autorizadas, o que o historiador faz, de acordo com o método histórico, é justificar a sua leitura das provas, expondo os fundamentos nos quais se baseou para a reconstituição imaginativa do passado.



Bibliografia:

COLLINGWOOD, Robin George. A ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1972.

MENEZES, Isabella C.; SIMAN, Lana M. C. Museu e Imaginação histórica. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol.51, 119-135, 2019. 


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[1] COLLINGWOOD, Robin George. A ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1972, p.293 

[2] Idem.

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Comentários

  1. Querida,Isabela, creio que a História do Brasil foi registrada com uso de muita imaginação histórica, pelo menos a que nos ensinaram até o Ensino Médio,posso afirmar isso?!

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    1. Durante o meu aprendizado eu me deparei com versões romanceadas da História, e também com diversas lacunas e silenciamentos...

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  2. Obrigada Isabella, valiosa informação.👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Selma

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  3. Isabela,muito esclarecedor seu texto... Posso afirmar que sou apaixonada por romance histórico! Glaura

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    1. eu também gosto de ler, depois vamos trocar umas figurinhas, Glaura!

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