CONTRIBUIÇÕES IMORTAIS: "Música na Quarentena", texto de Túlio Damascena

MÚSICA NA QUARENTENA

TÚLIO DAMASCENA
Membro-fundador da Academia de Ciências e Letras de Sabará
Cadeira 16. Patrono: José Patrício

Nesses tempos de confinamento tudo é válido para manter a sanidade. Podemos escolher entre livros, filmes, documentários, músicas, séries, etc. 

Por aqui, entre um trabalho de home-office e outro, entre os três livros na cabeceira da cama (quando canso de um, pulo para o outro, sem dor na consciência), uma boa dica é o bom e velho rádio ligado na Inconfidência FM. 

A Rádio Inconfidência FM teve início em 02 de fevereiro de 1979, também chamada de Brasileiríssima, pois transmite apenas músicas brasileiras e programas culturais. 

É uma boa companhia, sem dúvida alguma, pois tem uma seleção de repertório excelente e com programas deliciosos de ouvir, como o “Samba bate outra vez”, “Avenida Brasil”, “Bazar Maravilha”, “MPB em Revista”, “Radiola”, entre outros, além do jornalismo que nos assombra com os novos números do avanço da Covid-19 e outras dicas. 

Mas umas músicas poderiam ser facilmente deixadas de lado nesse tempo de confinamento, pois aguçam ainda mais a nossa vontade de sair. 

Veja alguns exemplos: você está naquela peleja de quarto, sala, cozinha, e ouve a voz de Mariene de Castro cantando: 

“Só vou pra casa quando o dia clarear
Eu sou do samba, pois o samba me criou
Se por acaso um grande amor eu arranjar
Não vou pra casa, não vou, não vou 
Só vou pra casa quando o dia clarear
Eu sou do samba, pois o samba me criou 
Se por acaso um grande amor eu arranjar 
Não vou pra casa, não vou, não vou (...)” 

(Não vou pra casa - Antônio Almeida/Roberto Roberti) 

Como? Se você já nem pode sair? Conte-me como ir para casa somente depois do dia clarear? 

Depois vem a poesia pura de Vinícius e Toquinho — passando a tarde em uma praia: 

“Um velho calção de banho 
O dia prá vadiar 
O mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar 
Depois, na Praça Caymmi
Sentir preguiça no corpo
E numa esteira de vime 
Beber uma água de côco 
É bom! 
Passar uma tarde em Itapuã 
Ao sol que arde em Itapuã 
Ouvindo o mar de Itapuã 
Falar de amor em Itapuã (...)” 

(Tarde em Itapoã – Toquinho e Vinícius) 

Aí sim, bate uma saudade da praia, uma saudade bem mineira, de ser o primeiro a chegar e o último a ir embora das areias. Mas como? Se as viagens estão suspensas até segunda ordem! 

E a cervejinha com os amigos e as idas em verdadeiras peregrinações de bar em bar? 

“Hoje eu vou tomar um porre, 
Não me socorre que eu tô feliz 
Nessa eu vou de bar em bar 
Beber a vida que eu sempre quis 
E no bar da ilusão eu chego, 
É pura paixão que eu bebo (...)” 

(De Bar Em Bar, Didi Um Poeta - Arlindo Neto) 

Também não podemos, os bares estão fechados! 

E quando Gal Costa canta que você era feliz por fazer coisas triviais e que, talvez, você não dava muito valor e agora bate uma saudade…

“Precisa tomar um sorvete
Na lanchonete
Andar com a gente
Me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Baby baby
Há quanto tempo
Baby baby 
Há quanto tempo (...)” 

(Baby – Caetano Veloso)

Com a pandemia não podemos nem tomar sorvete na lanchonete (de máscara a coisa piora) e “andar com a gente e me ver de perto” então.... 

E a voz doce da Carla Gomes nos convidando para namorar na praça/na praia? 

“Vamo namorar na praça
Vamo namorar na rua
Nada de ficar sem graça
Olha como é linda a lua 
Vamo namorar na praia 
Um champagne, uma fogueira e um violão” 

(Dengo, Cafuné, Chamego - Pretinho da Serrinha)

Que pena, nada de namorar na praça, na rua, na praia! 

Enquanto vivemos esses momentos de isolamento, a canção que nossa querida Inconfidência FM deveria tocar pelo menos umas três vezes por dia, como um grito de alerta, é: 

“(...) Hoje eu não saio não
Hoje eu vou ficar em casa, neném
Hoje eu não saio não
Quero ver televisão

Hoje eu não saio não 
Não troco meu sofá por nada, meu bem 
Hoje eu não saio não 
Não quero ver a multidão 

Lá no boteco, não 
Telecoteco 
No trio elétrico, não 
Teatro, não 
Não vou no esquema não 
Nem no cinema, não 
Em Ipanema, não 
No circo, não (...) 

Na padaria, não
Na academia, não
Periferia, não
No centro, não
No casamento, não
No lançamento, não
No movimento, não 
Na praia, não

Hoje eu não saio não 

No restaurante, não
Roda gigante, não
No baile funk, não
No parque, não
Não vou na Lapa não 
Na batucada, não 
Na passeata, não 
Nem no portão (...)” 

(Hoje eu não saio não - Arnaldo Antunes / Marcelo Jeneci / Betão / Chico Salem.) 

Vamos nos cuidar, vai passar... vai passar e poderemos novamente ir ao samba, à praia, à praça, à lanchonete e aos bares!


Comentários

  1. Que delícia Tulio. Só que foi pouco. Muito bom.

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  2. Quarentena é sinônimo de reconstrução, de valorização às coisas simples da vida e de amor ao próximo! Ao ler o seu texto Túlio, vejo a cada citação a certeza que aprenderemos muitas coisas nesses tempos difíceis!

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  3. Amigo, que bom ler você, assim como é conversar com você. Mas, vai passar e vamos nos ler nos olhos num boteco por aí...

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  4. Vai passar!
    Que belo texto. A rádio Incofidência é uma das últimas pérolas da nossa rede cultural.
    Saudades querido Túlio.

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  5. Bão demais da conta. Primor de texto! Parabéns! - silas

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  6. Vai passar, enquanto isto, nos acostumamos com esta nova rotina. Excelente texto, leve e divertido. Parabéns!

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  7. Cara, fiquei chapado só de ler essa oração! No tempo em que eu tomava todas, só rolava Rock! Mas, acredite, este texto tem o sabor e o torpor de uma boa caipirinha numa manhã qualquer, de um domingo qualquer no coreto da Praça Santa Rita!

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